Skamosa e a herança afro-caribenha de Manaus

É difícil pensar em outro projeto que traduza tão bem a mistura de herança afro-caribenha e resistência cultural quanto o Skamosa. Criado pelo coletivo Rudi, o projeto ocupa o espaço público sob o Viaduto do Manoa, em Manaus, transformando-o em território de encontro. Reggae, radiola e diversidade se cruzam em uma iniciativa que, ao mesmo tempo em que fortalece a cena local, também denuncia as ausências históricas da cidade.
Para entender o Skamosa, é preciso voltar às radiolas do Maranhão e às aparelhagens do Pará. Nos anos 1970, São Luís, a “Jamaica brasileira”, já movimentava com o reggae roots, enquanto Belém via o crescimento das dos sistemas de som que misturavam brega, tecnobrega e caribe. Manaus, conectada pelos rios e estradas, também recebeu essa influência latino-caribenha: salsas, cúmbias, vallenatos e boleros atravessaram fronteiras e se traduziram em beiradões, guitarradas e lambadas.

Muitas vezes, a cena reggae amazônica é vista apenas como lazer. Mas o projeto mostra que é mais do que festa: é espaço de afirmação para pessoas negras, indígenas e LGBTQIPAN+. Quando o grafiteiro indígena Gnos pinta mensagens sobre crise climática, ou quando DJs e toasters ocupam o viaduto, fica claro que a radiola é também crônica política.
O projeto levou uma radiola maranhense para o coração de Manaus, reunindo DJs como Zulu MC Fino, Ravi Veiga, Nico e Luh Roots, ao lado do Caboclos Sound System. Com toasters improvisando sobre riddims, o baile recria a experiência jamaicana com um toque regional. O som híbrido, urbano e periférico conecta juventudes racializadas a uma tradição que se atualiza.

Como lembra o produtor cultural Vitor Maia, ocupar a rua com eventos culturais é disputa simbólica: ao mesmo tempo em que se cria convívio comunitário, desafia-se a lógica de centralização cultural da cidade. A cena reggae em Manaus sempre foi periférica, do “Reggae no Quintal” de 1998 ao coletivo Damas do Reggae, que hoje expressa o lema “Em Manaus tem reggae feito por mulheres”.
Os espaços também desempenham papel fundamental nessa difusão cultural. Destacam-se o Quintal das Pedras e o Bar One, comandados por DJ Ras Milton; o Bar do Bigode, mantido pela comunidade maranhense residente no Amazonas; e o Circuito Reggae Amazonas, uma festa de rua itinerante, sem espaço fixo, que celebra a herança cultural e as raízes negras do reggae.

Ao reunir essa diversidade cultural sob o viaduto, o projeto mostra que a Amazônia urbana também canta, e que essa voz ecoa como um espelho da própria região.
Sobre o Coletivo Rudi
O Rudi é um coletivo manauara de reggae/soundsystem fundado em setembro de 2024, com o objetivo de promover e celebrar, de forma gratuita e acessível nas ruas de Manaus, a musicalidade de raízes jamaicanas com foco nos estilos reggae roots, rocksteady, ska, dancehall e dub. Formado pela jornalista, DJ, produtora cultural e fotógrafa Nico Ambrosio e pelo grafiteiro e produtor cultural Vitor Maia, o coletivo cria pontes entre territórios e sons a partir da cultura do reggae, que chegou por mares e rios às radiolas e aparelhagens amazônicas nos anos 1970 e 1980.
O grupo já realizou eventos em praças públicas da cidade de forma independente, reunindo DJs, Selectors, MC's e Toasters de Manaus para fortalecer a cultura reggae e sound system. O coletivo Rudi valoriza as trajetórias de pessoas negras, indígenas e LGBTQIAPN+ e colabora com artistas e coletivos locais como a Batalha da Diversidade, DJ Zulu MC Fino, Caboclos Sound System e DJ Ravi Veiga. O Rudi pauta sua atuação no respeito, na justiça social, no amor e no combate a todas as formas de discriminação, sejam elas transfóbicas, misóginas, homofóbicas ou racistas.
Saiba mais sobre as atividades do Coletivo Rudi: https://www.instagram.com/coletivorudi/








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