Por trás do retorno mais importante do rap nos últimos anos
Foram 16 anos de silêncio discográfico.

O CLIPSE, dupla formada pelos irmãos Pusha T (Terrence Thornton) e No Malice (Gene Thornton), não lançava um álbum desde Til the Casket Drops, de 2009. Mas a dupla marca seu retorno em um momento muito preciso.
Formado pelos irmãos Gene e Terrence Thornton, o Clipse é parte essencial do que foi o rap nos anos 2000. Gene, o mais velho, ficou conhecido como Malice. Terrence, o caçula, é Pusha T. Nascidos em Nova York, criados em Virginia Beach, conheceram Pharrell Williams ainda adolescentes, numa cidade que era considerada periférica na cena hip-hop, mas onde Pharrell e Chad Hugo começavam a desenhar os contornos de um novo som.
Esse som seria a base da The Neptunes, duo de produção que definiria a estética do rap e do pop entre o final dos anos 90 e a década seguinte. E seria também a espinha dorsal do Clipse. Em 2002, o grupo lançou Lord Willin’, com faixas como “Grindin’” e “When the Last Time”.

Depois do terceiro disco, Til the Casket Drops (2009), a dupla se separou.
Malice se converteu, trocou o nome para No Malice, e se afastou do rap. Pusha T seguiu carreira solo, assinou com a G.O.O.D. Music, se tornou presidente da gravadora, lançou álbuns respeitados (My Name Is My Name, Daytona, It’s Almost Dry), entrou em conflito direto com Drake e se firmou como um dos melhores letristas da sua geração. Mas o nome Clipse ficou suspenso. Nenhuma volta oficial. Nenhum disco anunciado.
O retorno com Let the Lord Sort 'Em Out, lançado no dia 5 de julho de 2025, marca um dos episódios mais importantes da cultura hip-hop dos últimos anos.
São 12 faixas com produção executiva e beats assinados inteiramente por Pharrell Williams.
Os rumores de um novo álbum do Clipse começaram em 2023, quando Pharrell, que se tornou diretor criativo de moda masculina da grife de luxo Louis Vuitton no mesmo ano, incluiu uma nova música do Clipse na trilha sonora do desfile masculino primavera-verão 2024 da Louis Vuitton.
As duas edições anuais seguintes também incluíram músicas da dupla. As sessões de gravação do álbum, iniciadas em 2023, foram divididas entre um estúdio no estado natal do trio , Virgínia, Estados Unidos, e a sede da Louis Vuitton em Paris, França.
@complexmusic Pharrell talking his sh*t 🔥 Pharrell sat down with Clipse to break down executive producing ‘LET GOD SORT EM OUT’ song-by-song in the studio. #pharrell #clipse #letgodsortemout LINK IN BIO to watch the full interview.
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Porém, nem tudo são flores.
A gravadora original, um braço da Universal, pediu que o grupo retirasse a faixa “Chains and Whips”, que traz um verso de Kendrick Lamar. A justificativa era que, mesmo sem citar nomes, a simples presença de Kendrick ao lado de Pusha soava como provocação a Drake, seu artista mais lucrativo. Em vez de ceder, Clipse comprou sua saída do contrato e levou o projeto para a Roc Nation, de Jay-Z. A faixa foi mantida.
O disco começa com “M.T.B.T.T.F. (Mike Tyson Blow To The Face)”, título que já havia aparecido como trilha em um curta dirigido por Pharrell e Gabriel Moses, exibido no High Museum of Art meses antes.
Em “Birds Don’t Sing”, Malice fala da morte dos pais. Em “So Be It”, Pusha dispara contra Kanye West, antigo parceiro, e reafirma a própria linha de raciocínio, que o amigo já não é mais o mesmo, por isso, impossível o manter ali.
“Você chorou na minha frente / Você morreu na minha frente / Calabasas levou sua vadia e seu orgulho na minha frente.”
Sobra até para Travis Scott, acusado de colocar para tocar os versos polêmicos de “Meltdown” durante uma sessão de estúdio privada, onde Drake atacava Pharrel, que estava presente na sala.
Há um ponto de tensão em todo o disco: a persona de No Malice, que havia deixado o rap por motivos espirituais, agora retorna para um universo que ele mesmo havia decidido abandonar. Voltar para o dito "Drug Rap".
A produção também está impecável, fazia um tempo que não me conectava tanto com a produção de algo.
As apostas estéticas também foram um caminho importante do álbum, com uma série de ativações que se iniciaram em uma colaboração com a Denim Tears ainda em 2024, como teaser da identidade gráfica do projeto.

Depois, o lançamento do merchandising com arte do designer japonês Verdy, um drop exclusivo da Billionaire Boys Club.

E dias antes do álbum, Pusha T apareceu usando uma versão do Adidas Samba com a assinatura Clipse. No mesmo período, uma collab completa com a Carhartt foi anunciada e chegou à loja dedicada ao projeto.

Podemos analisar todo um rollout que entendeu a importância da dupla no cruzamento entre cultura e moda, algo que eles ajudaram a moldar desde os anos 2000.
Os lançamentos desde 2024, as aparições aos poucos, episódio em projetos como COLORS e NPR Music, tudo isso englobou um universo muito certeiro durante o lançamento.
E nem a escuta foi feita como qualquer lançamento. Em 23 de junho, o listening party aconteceu no rooftop da Louis Vuitton em Paris, sede onde Pharrell, agora diretor criativo da linha masculina da marca, deu forma à estratégia visual de retorno do grupo.
O próprio nome do álbum é também uma mensagem. Vem da frase “Kill them all and let God sort them out”, slogan militar adaptado aqui como símbolo de julgamento, de limpeza, de separação entre o verdadeiro e o fabricado.
O disco chegou junto de um momento delicado no rap, justamente durante o fim do beef entre Kendrick e Drake, a saturação de fórmulas e um certo esvaziamento criativo na cena mainstream. Let God Sort 'Em Out é talvez um dos senão o grande projeto dos últimos meses.
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