Onde Earl Sweatshirt foi parar

Onde Earl Sweatshirt foi parar

Por algum motivo, volta e meia, a imagem do Earl Sweatshirt ressurge. Às vezes por um vídeo antigo rimando ao lado do Tyler, às vezes pelo aparecimento do rapper em algum evento, lançamento de música, ou então relembrando os tempos de Odd Future. Mas, quase sempre, a pergunta que acompanha é a mesma: onde foi parar esse cara?

Thebe Neruda Kgositsile, o Earl, é um dos nomes mais fascinantes do rap contemporâneo dos anos 2010. O garoto que surgiu com a Odd Future como uma referência estética e musical, parecia pronto para ser uma das novas vozes do hip hop americano e representante da juventude da época. Era amigo íntimo de Tyler, the Creator, estava nos vídeos, nas fotos, nos shows. E, do nada, sumiu.

Registro de Earl ainda jovem, na época de ODD Future

Na época, não ficou claro pra muita gente. Mas hoje a gente entende melhor: Earl foi mandado pra uma escola-reformatório na Samoa pelo próprio desejo da mãe, preocupada com os rumos da vida do filho. Foi um corte abrupto, no auge de uma ascensão. Enquanto o coletivo explodia, ele estava distante. E isso marca toda a forma como ele encara a carreira depois. Dentre vários assuntos e motivos que já apareceram, a história que mais se repete é que Earl foi internado pela sua mãe em uma clínica de reabilitação para jovens com problemas de comportamento em Samoa, o rapper ficou isolado até completar 18 anos.

Quando voltou, lançou Doris (2013). Um disco que já deixava claro que Earl passou por um processo de transformação muito grande após ser privado do que vivia anos antes e de todo o tempo que ficou isolado. É um álbum mais contido, reflexivo, introspectivo, acompanhado de um tom depressivo e confessional. A faixa "Chum" é o resumo disso: trata sobre abandono, identidade, medo e paternidade. 

Capa do álbum Doris

Dois anos depois, I Don’t Like Shit, I Don’t Go Outside (2015) mergulha ainda mais na sua introspecção e mental. É curto, denso, e nada resguardado de explicações. Um álbum que soa como se tivesse sido gravado num quarto escuro, com o mundo explodindo lá fora, o que talvez seja a tradução da cabeça de Earl. E é aí que o sumiço começa a parecer uma escolha.

Earl some da mídia, recusa shows, cancela turnês. Começa a colocar a saúde mental na frente de qualquer expectativa e aparece com um álbum muito sólido, saindo também de uma sombra que foi colocada por ser “o amigo de Tyler”.

Em Solace, EP lançado no mesmo ano, ele dedica 10 minutos à mãe e à avó, e descreve, em tons baixos e arrastados, a sensação de estar se desfazendo aos poucos.

Anos depois, em 2018, em meio a chegada do Trap ao mundo, Some Rap Songs muda tudo de novo. É mais abstrato, mais solto, tem um pouco daquele ar psicodélico que foi colocado em algumas faixas em projetos passados, mas também mais autobiográfico. Rola um luto atravessado (pela morte do pai), uma espécie de fragmentação consciente. São letras que parecem fluxos de pensamento. A cada vez mais, de certa forma, responde onde ele foi parar.

Mais velho, com um público que também cresceu e está mais maduro, com o tempo é possível visualizar que Earl na real não sumiu, mas encontrou uma maneira de preservar além da sua imagem, mas seus gostos e por onde andava.

Enquanto boa parte da indústria impulsiona artistas para se tornarem máquinas de engajamento, Earl fez o caminho contrário. E talvez por isso ele fale tanto com uma geração que, entre idas e vindas, também sente que precisa desacelerar. Existe algo de muito real nessa trajetória de um jovem que sobe cedo demais. Que vira referência antes de virar adulto. Que entende que fama e exposição nem sempre significam sucesso verdadeiro. E que, no meio disso tudo, escolhe cuidar do “eu lírico”.

Com Sick! (2022), ele encara questões como paternidade, pandemia, reclusão. E no mais recente Voir Dire (2023), em parceria com The Alchemist, ele segue mantendo seus ideais e agora com um produtor lendário.

O que fica disso tudo é que Earl é uma promessa que se isolou e serve como um lembrete de que sucesso não precisa ser com pressa e que é necessário entender onde seu interior está, de tratar suas dores e não se moldar aos meios de consumo e produção do mundo.


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