O vocabulário visual em Sopranos
A construção de um universo visual e cultural não americanizado que continua reverberando

The Sopranos é uma série que, mesmo depois de duas décadas, mantém um impacto muito forte na forma como entendemos cultura, poder, família e até moda. O que chama atenção além da trama cheia de dilemas morais e tensões familiares, mas o jeito que esse universo foi construído visualmente e simbolicamente. É interessante analisar - com um olhar de quem ainda não finalizou a série - como esse mundo, tão específico dos anos 90 e da comunidade ítalo-americana de New Jersey que busca desmoralizar a cultura americanizada, ainda consegue se comunicar e influenciar a cultura jovem e de quem assiste a série hoje.
Quando Família Sopranos estreou, em 1999, os Estados Unidos estavam num limbo existencial.
Era o fim dos anos 90, uma década marcada por estabilidade econômica na américa, crescimento tecnológico e uma sensação de otimismo superficial. A Guerra Fria já era passado, o 11 de setembro ainda não tinha acontecido, e o american dream parecia intacto pelo menos na superfície. Mas havia uma ansiedade no ar: desigualdade crescente, violência urbana em alta, e uma crise de identidade cultural se desenhando.
A série chegou exatamente nesse vácuo, desconstruindo o mito da família tradicional americana e expondo um lado brutal, ambíguo e melancólico do que é ser alguém num país que já não sabia mais quem era.

E tudo isso está na imagem das roupas, no cenário, na fotografia, nos objetos, na música, na forma como as trocas são levadas durante a série. Diria que parece ser um estudo de personagens que vivem numa espécie de prisão dourada, uma casa de família que mais parece uma fortaleza e ao mesmo tempo uma cela. Essa “casa” seria uma representação para o conceito de família, como algo que ultrapassa o pensamento prévio que temos sobre o que é uma máfia, que trás um ar de realidade e proximidade com personagens com uma vida tão diferente.
Quando a gente olha para os personagens, vê que eles carregam dualidade o tempo todo. A lealdade à família e ao grupo é quase uma religião, mas ela também aprisiona, gera violência, conflito, dúvida. É uma dinâmica complexa, muito humana. Essa tensão se reflete no visual, nos rostos, nas roupas sóbrias, nas expressões fechadas, nas mãos que muitas vezes estão à beira da agressão ou do carinho.
A casa de Tony Soprano, por exemplo, é emblemática. Toda em mármore e madeira, móveis claros, tapetes com padrões clássicos, cores opacas, piscina, lustres, e tudo aquilo que um boss deve ter. Quase sempre um ambiente carregado, que lembra um retrato familiar onde tudo tem história e significado. Essa casa, esse espaço visual, é tão parte da história quanto os personagens, que carrega as tensões da narrativa.
Na paleta de cores, nada vibrante, nada festivo. Ok que aqui, devemos assumir que por questões de orçamento e produção, considerando principalmente a época, não deveria ser a primeira preocupação da produção, porém, tudo é meio esmaecido, meio soturno, com tons mais “baixos”.

Apesar de ser uma série de uma época específica, ela dialoga com o presente.
A forma como a moda apresentada por cada personagem, as clássicas polos, jaquetas, as camisas de botão do Tony em momentos de introversão do personagem, para uma mudança com todos de terno durante os conflitos dos episódios. Tudo isso, apesar de se parecer distante do que consumimos hoje, nos trás aspirações - não sobre o estilo de vida - sobre absorver uma nova cultura, padrões e costumes. Por exemplo, ao assistir qualquer episódio, é impossível não sentir a mínima vontade em provar massas, usar polos e mocassins, etc, etc…


O lançamento da Supreme com a box logo em referência a The Sopranos em 1999 foi um sinal claro de como a série transcendeu a tela e entrou no campo da cultura global. Essa conexão mostra como os símbolos da série, a família, a lealdade, e toda a construção presente no seriado ainda falam para muita gente.

O New Jersey de The Sopranos é território marcado por tensões raciais, econômicas e sociais, uma crítica dura aos padrões americanos em sua forma social. Não é a América idealizada da televisão tradicional. É um mundo onde o passado parece estar sempre presente, onde as regras vêm de fora, da velha guarda, mas os filhos querem outro caminho. Essa ambiguidade, essa luta interna, é o que faz a série tão fascinante.
Sopranos é uma lente para entender como cultura, identidade e memória se misturam e ganham forma, visual e emocional, numa sociedade sempre em transformação.
Esse texto é dedicado a um amigo fã da série, é nois Braguinha.





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