O único e perfeito álbum de Lauryn Hill

Com apenas 23 anos, Lauryn Hill entrou para a história do Grammy ao conquistar cinco estatuetas com "The Miseducation of Lauryn Hill". A antiga voz do grupo musical Fugees transformou suas vivências pessoais e ideias em canções profundas em seu primeiro e único álbum solo.

O único e perfeito álbum de Lauryn Hill

Em 1998, o mundo viu uma jovem mulher negra de dreads longos e voz firme subir ao palco do Grammy para fazer história. Lauryn Hill havia acabado de lançar The Miseducation of Lauryn Hill, um disco solo que falava de amor, solidão, maternidade, espiritualidade e revolta, tudo num mesmo álbum. Ela levou cinco dos troféus dourados naquela noite e, ao que tudo indicava, estava apenas começando. O que ninguém sabia era que aquele seria também o seu ponto final.

Antes de tudo isso, Lauryn Hill era parte do grupo The Fugees, ao lado de Wyclef Jean e Pras Michel. O trio foi uma força nos anos 90, misturando hip-hop, soul, reggae e consciência social em um formato que ainda não tinha nome. O segundo disco deles, The Score, foi um fenômeno mundial, com faixas como “Ready or Not” e a versão de “Killing Me Softly”. Lauryn, ainda com pouco mais de 20 anos, já era a alma do grupo.

Mas nem todo sucesso sobrevive ao ego. Os bastidores dos Fugees eram cheios de tensões. Lauryn e Wyclef viveram um relacionamento conturbado, e ela engravidou durante esse período. A gravidez foi vista por muitos como o fim da banda, e a saída de Lauryn aconteceu logo depois. Foi nesse intervalo, de frustração, independência e descoberta, que ela começou a escrever o que viria a ser The Miseducation of Lauryn Hill.

The Miseducation Of Lauryn Hill - Disco de Vinil

Ela tinha 23 anos quando decidiu fazer o disco. Foi gravado principalmente no Tuff Gong Studios, em Kingston, Jamaica.

Miseducation é um disco sobre desaprendizagem. E não só no sentido educacional. Lauryn fala sobre o que foi ensinado e não serviu: os amores que machucaram, a religião que não libertou, os papéis que tentaram impor sobre a juventude negra na época, porém, que de nada impactaram e transformaram. “Ex-Factor”, “To Zion”, “Doo Wop (That Thing)”, “Forgive Them Father”, cada faixa é quase uma carta, um diário falado, às vezes uma oração. O disco não se encaixa em um gênero exato. Tem soul, rap, R&B, reggae, gospel e silêncios.

Ao sair do grupo e criar seu próprio álbum, Lauryn marcou a indústria musical com uma sonoridade que escapava dos moldes. Miseducation se tornou um dos grandes marcos da música negra contemporânea. Canções como “Doo Wop” abordam amor, mas também a importância da representatividade feminina e negra. Em 1999, ela se tornou a terceira e última mulher negra a ganhar o Grammy de Álbum do Ano, ao lado de Natalie Cole (1992) e Whitney Houston (1994).

Décadas depois, em 2020, entrou para o top 10 da lista dos 500 melhores álbuns de todos os tempos da Rolling Stone. E mesmo com o reconhecimento vindo de todos os lados, Lauryn nunca se sentiu confortável com o rótulo de estrela. Em uma entrevista ao podcast 500 Greatest Albums da própria Rolling Stone, ela afirmou: “Eu sempre tive um problema com a idéia de artista como propriedade pública. Eu concordei em compartilhar a minha arte. Não estou concordando necessariamente em me compartilhar.”

Essa distinção entre obra e presença talvez ajude a entender por que ela nunca mais lançou outro álbum. Depois do Miseducation, Lauryn se afastou da indústria, recusou contratos e praticamente desapareceu das estratégias comerciais. Muitos tentaram interpretar esse silêncio como trauma, outros como desorganização. Mas talvez fosse só escolha. A escolha de não querer replicar um processo que, apesar de vitorioso, a engoliu.

E o mais curioso: mesmo sem continuidade, o legado do Miseducation não parou de crescer. O disco virou base para samples, trilha sonora de filmes, referência de estilo e linguagem. Kendrick Lamar, Beyoncé, J. Cole, Solange, Rapsody, todos beberam ali. Não apenas pela estética, mas pela coragem.

25 anos depois, o álbum ainda soa fresco. Não datou e nem virou relíquia. Uma verdade só bastou para Lauryn.


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