O poder de influência da série Top Boy

O poder de influência da série Top Boy

Quando a Netflix retomou a produção de Top Boy em 2019, muita coisa já havia mudado. E até a última temporada, lançada em 2023, mais ainda. A série, que havia nascido anos antes no Channel 4 sob o subtítulo Summerhouse, deixou de ser apenas um drama urbano e passou a ocupar um lugar de influência global, não só em termos narrativos, mas como código estético, referência sonora e manual indireto de estilo para uma geração que cresceu consumindo conteúdo por imagem, som e comportamento.

Em 2022, quando a série chegou à sua “segunda temporada” na Netflix (ou quarta, se contarmos desde o início), ela veio acompanhada de um contexto cultural muito específico. A juventude global começava a olhar menos para os EUA e mais para o Reino Unido. O grime e o drill atravessavam a fronteira, artistas como Central Cee, Dave e outros ganhavam escala e o imaginário londrino, antes limitado a nichos, virava objeto de atenção na Europa como um todo e atravessando o oceano, chegando às Américas.

Top Boy chegou nesse momento com tudo isso condensado em um modo diferente de demonstrar o visual. A série nunca tratou o crime como fetiche, mas como consequência da sobrevivência e quase hereditária de uma população jovem periférica londrina. Era sobre lavagem de dinheiro, venda de drogas, identidade, imigração, masculinidade fraturada e sobrevivência. E no meio disso, uma direção de arte afiada, onde o figurino é um veículo de comunicação da série.

C.P. Company, Stone Island, jaquetas Puffer, Nike Techs, tudo estava ali, com função narrativa. Sully não usava uma peça à toa. E o público, principalmente jovem e conectado, captou. Não demorou muito para o estilo da série virar código aspiracional nas redes sociais. Hoje, assistir Top Boy é quase um checkpoint para entender sobre a cultura e seus modos de consumo.

O impacto mais visível está na moda e na música. A Netflix potencializou a trilha sonora original, incorporando artistas centrais do grime e do drill inglês. Dave, Little Simz, Central Cee, Headie One, AJ Tracey, Fredo e Nafe Smallz são só alguns dos nomes que aparecem em episódios e playlists. A gravadora OVO Sound, de Drake, lançou ainda uma trilha oficial com Popcaan, M Huncho, Ghetts, Avelino e SL. Em português, a própria Apple Music publicou uma curadoria destacando a “elite do rap britânico”.

O Evening Standard reconhece que a série deu nova audiência ao grime, em um movimento de internacionalização da música de rua britânica. No Brasil, esse movimento, desde 2021, artistas e pessoas da cultura passaram a consumir muito mais conteúdos e produções provenientes da Europa e de Londres, do que comparado a anos onde a indústria de consumo ainda era totalmente americanizada. E aqui não devemos nos limitar a entender somente como o consumo de músicas, mas também a moda. Anos antes, ninguém sabia do que CP company se tratava.

A série foi tão efetiva para quem se propunha a comunicar que, o entendimento passou a formar novos públicos em outros lugares do mundo, tendo o Brasil como exemplo.

O ponto é que o seriado atingiu um poder de influência imensurável. Para entender a produção, devemos ouvir diretamente de quem produziu a direção artística e de figurino da série.
Natalie Humphries, figurinista da temporada final, em entrevista à Esquire UK, afirma: “Existe uma honestidade real neste trabalho. É preciso estar atento ao que está acontecendo agora, entender o que o estilo de rua evoluiu para ser. O realismo dos roteiros exige roupas verdadeiras para a cultura e a experiência vivida dessas comunidades.

Humphries mora em Hackney, bairro onde a série é ambientada, e isso moldou sua pesquisa. Como fotógrafa observacional, ela afirma que passa os dias registrando moradores locais, anotando mentalmente o estilo da rua. Para ela, Top Boy só funciona porque olha com precisão para o cotidiano. “Às vezes, isso está nos detalhes comuns, como caras de meia e slide conversando na frente do mercado.”

Essa curiosidade se tornou buzz. Marcas passaram a ser buscadas, revendas dispararam, e estilistas perceberam a mudança. A série virou vitrine de consumo e registro. Um documento visual do que estava acontecendo, e do que passaria a ser tendência nas ruas.

O impacto da série ajudou a configurar o imaginário do que era consumido em outro local, em um mundo visualizado como distante para parte do público, que no final das contas tem gostos e ideias não tão diferentes do que acontece aqui, seja nas roupas, na música, nos “blocks”, há uma linha tênue que cria a conexão necessária para esses mundos conversarem.

E é isso que faz de Top Boy um dos projetos culturais mais relevantes dos últimos anos. A série passou de fenômeno ficcional a influência real sobre música, moda e estilo de vida urbana em nível global.


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