O olhar único de Atemporalboy
Atemporalboy fala sobre a honestidade visual como linguagem coletiva, estética periférica e caminhos fora da indústria.

É necessário dar nomes e voz a quem faz nossa cultura ganhar forma e cor, especialmente quando esses nomes não surgem em galerias ou grandes agências, mas nas entrelinhas da cidade. Marcos Vinicius, mais conhecido como Atemporalboy, é um desses nomes.
Fotógrafo nascido e criado em São Paulo, seu trabalho parte da empatia e da escuta. Os retratos que produz, em película ou digital, buscam conexão. Ele constrói um arquivo vivo de identidades periféricas, subculturas urbanas e afetos que a imagem tradicional muitas vezes silencia.
Nesta conversa, falamos sobre autoestima periférica, a escolha do nome, a relação entre o cenário e o personagem, a honestidade nas criações e a decisão de criar caminhos próprios quando os espaços institucionais não reconhecem quem vem de onde ele vem. Confira a entrevista!
Primeiramente, porque o nome Atemporalboy?
O nome foi uma escolha aleatória em 2019, quando meu user no Instagram era o meu nome ainda e eu ainda não havia começado a fotografar de fato.
Então pensei em algo que comunicasse com a idéia e o porquê de eu começar a desenvolver meu lado criativo utilizando a fotografia, pensei que queria algo que fosse além do meu eu como pessoa e que fosse algo que ficasse para todo o sempre independente do tempo.


Teve um momento em que percebeu que a imagem era o jeito mais honesto de contar o que você vive?
Acredito que a fotografia foi a maneira mais “acessível” para expressar minhas idéias na época, e digo acessível entre aspas porque ainda continuo enxergando a fotografia como algo elitizado onde eu e pessoas que se parecem comigo não são bem vindos e bem vistos nesse meio.
Mas sim, o momento que me fez entender que a fotografia era a ferramenta perfeita para expressar minhas idéias, foi quando entendi que ela me ajudava a me conectar com pessoas de outros extremos de São Paulo e me permitia contar minha história e a história deles através do meu trabalho, tanto de forma política retratando autoestima periférica até subculturas e realidades.
Também acredito que a honestidade narrada em criações visuais vai além do que se vê no produto final, quando se tem identificação e propósito para aquilo, tudo faz mas sentido e não se torna algo caricato ou apenas estético.
Meu Trabalho nunca foi sobre algo individual ou sobre o “eu”, mas sempre sobre o coletivo.
Você comentou sobre como ainda se sente fora de certos espaços dentro da fotografia. O que você enxerga como formas possíveis de quebrar esse jogo? Quais caminhos, dentro ou fora da indústria, você acha que podem abrir espaço real para quem vem de locais periféricos?
Acredito que a melhor maneira de fazer parte de algo é criando ele da sua maneira, apoiando seus amigos e pessoas que estão ali no mesmo propósito que o seu. Se cercar e apoiar pessoas de verdade e não apenas de quem quer viver de status.
Acho difícil adentrar nesses locais já criados, eu particularmente prefiro buscar a emancipação dessa indústria e apoiar o coletivismo de amigos para assim criar nosso próprio caminho, e quando digo criar de forma profissional e responsável, seja um selo, agência ou coisa do tipo, busque saber seus direitos como profissional e cidadão, não seja apenas uma pessoa com uma câmera, entenda sobre contratos e tudo que possa te proteger profissionalmente, não fique a mercê de pessoas que querem te colocar em uma redoma.
Acredito que devemos mudar esse jogo por outros caminhos, baseado em construir nossos próprios caminhos, e não acessar coisas que já estão sendo construídas por outras pessoas. Então basicamente, se estou de fora não irei forçar estar dentro desses cenários, no formato atual. Eu e meus amigos estamos buscando maneiras de fazer essa parada do nosso jeito. Me emancipar é fazer do nosso jeito, criar nossa autonomia, nosso selo, agência, nome, e não chegar só como indivíduos. De maneira individual podemos sim criar coisas valiosas, porém, a ideia do coletivismo é justamente construir algo bem mais forte e construída do que chegar sozinho.
Emancipar é abdicar da idéia de querer estar nos lugares que essas pessoas já estão. Prefiro olhar pela ótica de comunidade. Onde eu e meus amigos estamos.
Quando você fala em autoestima periférica, como essa autoestima aparece na prática, no seu processo de retratar alguém? O que você procura revelar ou proteger quando fotografa?
Na prática ela aparece de forma simples. A pessoa que vem da periferia quer ser vista e se sentir incluída na sociedade, poder contar sua própria história, mostrar que existe beleza na sua realidade e se ver pertencente aquilo que ela sonha, mostrar que também é um ser humano.
No quesito imagético como em grande maioria trabalho com pessoas pretas sempre tenho total cuidado no quesito tom de pele, no quesito conforto da pessoa que estou fotografando e fazer ela se sentir parte daquilo e não apenas um produto na frente da câmera.
Então sempre busco fotografar de uma maneira que ela mesmo se veja naquilo e que se sinta pertencente daquele cenário todo.


Parte dos seus trabalhos são feitos de com câmeras analógicas. O que tem de importante nesse processo mais demorado, mais artesanal?
A fotografia analógica apareceu de forma até que engraçada na minha vida, desde que me propus entender melhor sobre fotografia em 2018 comecei a consumir muitas coisas relacionadas a fotografia, mas nunca tive uma referência ou algum parente que tivesse trabalhado ou entendesse de câmeras.
Após muito tempo de estudo visual, descobri que grande parte do que eu estudava era a tal da fotografia analógica, porém não entendia como era possível ter essas imagens de forma digital e me sentia bicho do mato mesmo.
Em 2019, quando fui conhecendo algumas pessoas e fotógrafos, acabei entendendo que existia o processo de digitalizar imagens analógicas e comecei a praticar com uma saboneteira que achei perdida em caixas de coisas antigas aqui em casa.
Mas meu interesse maior foi quando pude usar uma Canon AE-1 do meu amigo, em uma viagem para o RJ e pela primeira vez eu entendi como era delicado, fiel em texturas e cores o processo de fotografar com filme, daí pra frente acabei me aprofundando mais e mais, desde a parte pratica ate o interesse de aprender sobre revelação, scans e ampliações de imagem.

E como você se divide entre o digital e o analógico?
A parte analógica eu deixo para projetos pessoais e o digital para o comercial. Mas não que eu tenha decidido isso, mas trabalhar com filme é um pouco caro e exige muitos fatores para que o shooting aconteça, desde questões técnicas até confiar se o equipamento está revisado, trabalhar com luz externa ou luz contínua entre outras questões.
Mas a fotografia analógica já desempenhou alguns momentos importantes pra mim, como minha série de prints que produzi na Bahia em 2023, o projeto com ênfase na narrativa paulista do grau o “244” que tive o prazer de produzir com meu irmão Samir Bertoli, o mais recente editorial da “Spice” produzido todo em Médio Formato (120) e 35mm onde tive o apoio e mentoria do meu amigo Vinicius Sasaki que foi uma das se não a pessoa quem me ensinou basicamente tudo que eu sei sobre câmeras analógicas e como funciona.


Mais sobre seus trabalhos com marcas, como você equilibra o cuidado estético com a responsabilidade de não transformar as pessoas retratadas em “produto” e sim contar uma história?
A minha função nesse ecossistema criativo ela nunca é individual, que fique bem claro, minha criação tem grande ênfase no trabalho colaborativo onde todos podem opinar sobre a partir da sua ótica.
Tendo isso em mente, estamos ali trabalhando com profundidade e responsabilidade para dar voz a quem realmente vive aquele contexto e realidade.
Um produto sem uma história legítima por trás ou uma história caricata ele é apenas um produto e nada mais. Então basicamente o cuidado que temos (digo temos por ser uma equipe) trabalhando com marcas, é que buscamos sempre pessoas reais para interpretar a ideia que decidimos reproduzir.
Quais artistas, visões, sons ou lugares te alimentam criativamente hoje?
De uns anos pra cá venho consumindo muito livros de fotografia após um curso que fiz no IMS sobre fotolivros africanos com a mediadora Ana Paula Vitorio, tenho gostado bastante de dois Artistas em específico “Malick Sidibé” e “Omar Victor Diop” ou OMAR D (fotografo argelino).
No quesito música consumo bastante Jorge Aragão, Luedji Luna, Morad, Dean Blunt (e os pseudônimos também), Tricky e também indico uma cantora libanesa chamada Fairuz, é o que venho consumindo mais no momento, pela forma como eles narram seus sentimentos e realidades, me fez ter uma forte identificação e alguns casos me ajuda no processo de criação visual.
E sobre lugares acho que o que mais me alimenta criativamente, por mais que eu tenha falado bastante sobre comunidade e coletivismo, é ficar sozinho seja na cptm, em casa ou até saindo pra fazer minhas coisas sozinho. Ficar só sempre foi algo comum pra mim e sempre me ajudou a organizar meus pensamentos e pensar no que eu quero fazer e como eu posso fazer. Exposições de arte, ler coisas fora do meu ofício profissional me ajudam bastante também.
Existe um cuidado em como os espaços aparecem nos seus retratos. Como você pensa o cenário dentro da sua linguagem? Ele é personagem também?
A arquitetura sempre teve um papel fundamental no meu trabalho, mesmo que de forma indireta no começo, eu sempre busquei contar histórias a partir de cenários e depois de personagens. Hoje eles conversam quase sempre no meu trabalho.
Mas sim, busco sempre entender mais sobre como a geometria e ângulos podem favorecer o projeto final.

Tem algo que você ainda não fotografou, mas sente que precisa?
Apesar de já ter realizado algumas coisas que pensei demorar a fazer, acho que gostaria de fotografar paisagens e realidades ao redor do Brasil e do mundo. Mas sinto que ainda estou no processo de me conhecer melhor para poder responder isso com 100% de certeza.









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