O conto de Farida: uma jornada de resistência e esperança documentada por Maurício Lima

O conto de Farida: uma jornada de resistência e esperança documentada por Maurício Lima

Quantas vezes olhamos para uma fotografia de refugiados e não sentimos a dor por trás daquelas imagens? É fácil esquecer que cada rosto capturado carrega uma história inteira, uma vida interrompida pela guerra. O trabalho de Maurício Lima desafia essa indiferença, levando-nos a uma viagem emocionante e angustiante pela realidade dos refugiados sírios.

Em 2015, o fotojornalista brasileiro Maurício Lima embarcou em uma missão documental de seis meses na Síria. Seu objetivo: registrar as consequências dos conflitos iniciados com a invasão norte-americana no Iraque em 2003. Essa não era sua primeira vez na região; desde aquele ano, o fotógrafo já capturavam as intrincadas dimensões dos conflitos no Oriente Médio, transformando o sofrimento e a resistência em narrativas visuais.

Maurício passou 38 dias entre o norte da Síria e o Iraque, depois passou pelas principais fronteiras que viraram portas de esperança: Turquia, Grécia, Bulgária, Macedônia, Sérvia, Croácia e Hungria. Em cada lugar, onde ficava entre uma e duas semanas, ele testemunhava a trajetória daqueles que alimentavam o sonho de reconstruir suas vidas em um lugar melhor. Foram seis meses de caminhada desgastante, não só física, mas profundamente emocional.

As fotos de Maurício são como uma montanha-russa emocional. A viagem é dolorosa e cheia de sentimentos; os refugiados passavam, em sua jornada pelo desconhecido, na esperança de encontrar um lugar para viver com dignidade e respeito.


Durante essa exaustiva travessia, ao documentar a trajetória dos refugiados, Maurício percebeu que devia humanizar o acontecimento catastrófico e quis se aproximar de uma família para fotografar suas provações árduas até o exílio. O fotógrafo acompanhou os passos da família Majid, que os encontrou dormindo em uma barraca quando estavam em Belgrano, na Sérvia. O encontro do fotógrafo com seus "personagens" funcionou como uma jornada também para ele, que viveu a trajetória dos Majid rumo à Europa.

“Como você passa a confiar em alguém? O que essa família tinha a ganhar permitindo que eu os fotografasse em um dos momentos mais críticos de suas vidas?” — questiona Maurício em conversa com Felipe Larozza.
“O tempo foi construindo a intimidade. Em nenhum momento os Majid me pediram para que eu parasse de fotografar ou para que eu não fotografasse algo.”

Em certo ponto, o hábito da fotografia virou uma brincadeira para o profissional e a família síria.

“Fazíamos uma espécie de placar para contabilizar quantas vezes um fotografava o outro dormindo”, conta.

“Farida” é um nome forte e significa “única”, “pérola” ou “incomparável”. É também o nome da pedra preciosa da família Majid. Mesmo antes de vir ao mundo, a bebê Farida já sofria no ventre da mãe as dores causadas pelo conflito armado; o mesmo conflito que fez com que cerca de cinco milhões de pessoas fossem obrigadas a deixar seus lares sírios em busca de refúgio em outro país.

"FARIDA E SUA MÃE JAMILAH" - KARLSTAD, SUÉCIA - 2015.

A pequena Farida partiu da Síria dentro da segurança do corpo de sua mãe e veio ao mundo já na Suécia, após uma jornada migratória única vivida pelos Majid e pelo fotógrafo Maurício. Antes da guerra, os Majid eram comerciantes e donos de uma fábrica de jeans na cidade de Afrin, próxima a Aleppo e Kobani, onde a guerra para derrubar Bashar al-Assad teve combates intensos.

Apesar de todas as dificuldades vividas pelos Majid e por Maurício durante essa travessia, a dignidade soa como um ponto central nas imagens. Trata-se de uma família enfrentando uma jornada para o desconhecido, em fuga, atravessando fronteiras altamente vigiadas, sendo indesejada por onde passa.

E, mesmo assim, é possível sentir nas imagens a dignidade e a força dos Majid. “O povo árabe é muito forte”, frisa Maurício.

O trabalho sobre os Majid não é apenas um documento de época; é um ato de tradução ética: transformar tragédia em testemunho sem reduzir pessoas a estatísticas. As imagens de Maurício nos lembram que a fronteira mais dolorosa é a que separa ver de reconhecer. Ao acompanhar Farida, desde a barriga de sua mãe até a Suécia, o ensaio afirma que toda fotografia responsável carrega consigo o dever de devolver nome e futuro àqueles que a história tenta despersonalizar. E, por isso, olhar essas fotos é também escolher continuar atento.

Maurício Lima.

Maurício Lima é o único fotógrafo brasileiro condecorado com o prêmio Gabriel García Márquez, concedido pela Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (2004), o mais prestigioso reconhecimento na América Latina. Em 2016, Maurício Lima tornou-se o primeiro fotógrafo brasileiro a receber o prestigioso Prêmio Pulitzer pelo seu ensaio sobre os refugiados em busca de asilo na Europa, após ter sido finalista em 2015 com o trabalho sobre o conflito na Ucrânia.

Esta matéria foi escrita com base na exposição MAIO FOTOGRAFIA NO MIS que ocorreu em São Paulo em 2017.

Créditos a MIS-SP e Felipe Larozza.


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