Hoje, acordamos e lembramos de 1993agosto
Nascido e criado entre a Baixada Fluminense e Petrópolis, Marcelo Moraes, mais conhecido como 1993agosto, cresceu num cenário urbano marcado pela vida popular e pela cultura de rua. Essa dupla vivência (cidade industrial e serra turística) criou um olhar prático e dual: ao mesmo tempo que vinha da dureza do dia a dia, trazia consigo uma sensibilidade estética que apostava na verdade crua da imagem.

Filho de feirantes, passou a infância entre madeira, caixotes e ferramentas, o pai ensinou carpintaria pra ele e, aos sete anos, Marcelo já tinha construído um robô de madeira com LEDs, algo que mostrou desde cedo mostrava sua habilidade manual, curiosidade técnica e espírito criativo. Ganhou do avô uma câmera analógica Kodak, que foi seu primeiro contato com a fotografia. Paralelamente, na época de escola vendia desenhos de anime e bijoux por consignação, sinais de um espírito criativo e empreendedor que mais tarde sustentaria sua autonomia criativa.

A fotografia herdada e a prática com eventos automotivos funcionaram como pontos de virada. Seus primeiros trabalhos com carros e produção de eventos deram pra ele experiência prática e profissional na área, vídeo e logística, a sacada de que dava pra movimentar projetos na cidade mesmo com todas as dificuldades . Essas vivências levaram a afinidade pela manualidade pra uma prática artística interdisciplinar, onde imagem, objeto e performance passaram a ocupar o mesmo espaço de criação.

Marcelo acumulou diversas experiências desde fotografia de eventos, produção audiovisual, pequenos trabalhos de direção de arte, que serviram como escola prática. Aprendeu a negociar, produzir sob pressão e contar histórias com poucos recursos. As primeiras conexões com o público vieram tanto de trabalhos comerciais quanto de projetos autorais: clipes, fotos e intervenções em que ele priorizava narrativa sobre técnica, mostrando que a ideia valia mais que o equipamento.
A projeção nacional se consolidou mais tarde, com capas e colaborações de alto impacto, destaque para capa de O Menino que Queria Ser Deus (2018), assinada para o Djonga.


Capa do álbum “O Menino que Queria Ser Deus (2018)” produzida por 1993agosto.
A partir daí vieram convites maiores, desde clipes pro JXNV$ e Derek, editoriais e ensaios com nomes do mainstream como Anitta e DKVPZ, e parceria com o estilista Podrederico. Esses trabalhos abriram portas, ampliaram seu alcance e colocaram sua estética em diálogo tanto com o cenário underground quanto com a indústria mainstream.
Seu trabalho era versátil, transitou entre fotografia, cinema, direção de arte, moda, performance e música. Assinou também como produtor musical e cantor sob o pseudônimo DJ Orochimaru da Putaria e expandiu para as artes plásticas com o projeto de esculturas "Suicide Show Bob", bonecos de resina sem rosto, pensados como provocação sobre saúde mental, com parte do lucro destinado a doação Centro de Valorização à Vida (CVV).


"Suicide Show Bob".
Em suas produções audiovisuais, incorporou referências de animes como as legendas em japonês tornando pare do seus elementos visuais, e influências musicais que vão desde Michael Jackson a James Brown e Tony Tornado. A mistura entre referências pop, estética do "real" e pesquisa visual consolidou uma identidade única que ele tinha.
O estilo do 1993agosto seguia uma ideia simples: menos é mais. Ele dava importância para contar histórias e trabalhar com ética. Não aceitava tratamento superficial e escolhia projetos que faziam sentido esteticamente. Seu trabalho sempre misturou o tradicional (memória das ruas, cultura popular) com o novo (experimentações, misturas de estilos), criando uma marca própria que valorizava o autêntico em vez do falso.

A autonomia foi buscada de forma consciente: criou a agência Squirt Brasil e a própria editora para lançar o livro Antes de Deus, projeto que mostrou a disposição de não depender do circuito tradicional. Esses movimentos deram para ele controle sobre a produção, distribuição e curadoria do próprio trabalho, consequência direta de um percurso em que a prática empreendedora e a produção diária viraram método.
A obra dele circulou por vários territórios, do underground ao mainstream, do clipe à ensaios editoriais. O currículo inclui clipes, fotografias para artistas de destaque e colaborações com estilistas, além de performances e esculturas. Esse cruzamento de linguagens fez do Marcelo uma referência técnica e estética para gerações que trabalham com imagem e narrativa, e sua prática foi lida tanto por criadores populares quanto por quem estuda a linguagem visual contemporânea.
“Não acredito em sorte. Sorte é incerteza e você tem que treinar para fazer o que você se dedicou a vida inteira. Quando você tem essa confiança de que o seu trabalho vai falar por si só, você cria uma bolha de segurança, onde você não se intimida por nada”, 1993agosto em entrevista para a Monkeybuzz (2020).

Apesar da diversidade de cenários e do contato com artistas nacionais de grande alcance, Marcelo manteve vínculo com suas origens: a experiência da Baixada e as ferramentas aprendidas na infância permanecem na forma como ele abordava o fazer, com mão na massa, improviso e economia de meios. Elementos culturais e afetivos (a câmera do avô, o ofício da carpintaria, a vivência familiar) foram presentes como base do trabalho dele.
Marcelo Moraes, 1993agosto, transformou inquietude e prática de rua num repertório visual único e reconhecível. Sua contribuição é dupla: estética, prezando pela verdade e pela narrativa; e ética, marcada pela responsabilidade social e pela disciplina criativa. Anos se passaram, e o trabalho de 1993agosto permanece como uma marca fora da curva, algo que para sempre será lembrado.

Essa matéria foi escrita em homenagem a trajetória de 1993agosto. Esteja em paz ref...