Fleezus e o retrato íntimo da rua em “CRÔNICAS”

Fleezus e o retrato íntimo da rua em “CRÔNICAS”

Lucas , mais conhecido como Fleezus, não surgiu do nada. O artista se consolidou na cena nacional por misturar o Grime britânico com o ritmo cru de São Paulo, e desde 2017 vem construindo uma trajetória que é, ao mesmo tempo, experimento e documento. O novo disco, "CRÔNICAS", lançado em outubro de 2025, não é só mais um disco. É um retrato íntimo, uma tentativa de traduzir em som aquilo que ele viu, viveu e sentiu nas ruas da capital paulista.

De Ondas a Crônicas: como Fleezus chegou até aqui

Tudo começou com Ondas, em 2017. Depois veio "BRASILREALGRIME", que reinterpretou o grime londrino pro português. Em 2019, com "12 Molas", "UEFA" (feat. Febem) e o EP Ruas, Fleezus já mostrava que não estava brincando. O intuito era direto: rua, flow, realidade.

Em 2020, "Eskibaile" chegou com peso técnico e parcerias fortes: Clara Lima, Leall, Kyan, produção de Cesrv e Vhoor. Dois anos depois, "Off Mode" (2023) trouxe uma virada: drill, grime, R&B. Ali, Fleezus deixou claro: ele tinha chegado.

Agora, com "CRÔNICAS", ele vai além. Se Off Mode era sobre brilho e conquista, Crônicas é sobre pausa e reflexão. Um disco feito, nas palavras dele, "pra tocar as pessoas no íntimo". E é exatamente isso que ele faz.

A sonoridade: produção que equilibra peso e sutileza

A produção ficou nas mãos de Cesrv, Ell Liff, Mad Gui e Paulo DK. Juntos, eles criaram um som que transita entre o grime cru e texturas de jazz e soul. Fleezus chama isso de "fluxo cadenciado", e faz sentido. O disco respira.

As colaborações também impressionam: Criolo, Febem, VND, Zlatan, P.L.K. e Cesrv. Em "Contramão", por exemplo, Fleezus rima:


“Pagando meus pecados, na noite de São Paulo
Andamos enjoados, roupas da moda, bebida cara, maços de cigarro.
Vivo como quero e prevendo um futuro próspero,
Palio rebaixado e cerveja pros nossos.”
“Sei que você me entende, ao dar sentido ao supérfluo.
Um dia, jovens do gueto querendo sair do zero.
Na contramão da estatística, são lucros e comércios.
Me lembro que foi difícil, só agradeço o processo.”

Fleezus usa esse trecho pra celebrar o sucesso periférico com consciência de classe. Ele mistura luxo e humildade, e rua, mostrando que viver bem e se vestir bem também é uma forma de vitória e resistência.

O visual: a estética como narrativa

O visual de Crônicas não é só ilustração. É parte da história. A obra em tela da capa, assinada por Madeintrash (Nelson Correa), traz um clima cinematográfico: vermelho, dourado, elegante. É uma pintura que ilustra bem a sofisticação e a autenticidade em todos os aspectos que Fleezus abordou neste disco.

Nos visualizers de “Anjo45”, “Quem Vai Rezar por Vocês” e “Rivais”, a linguagem se mantém firme: luz fria e enquadramentos, ora fechados, ora abertos, de São Paulo. É quase documental. São visuais que funcionam como um registro do cotidiano do artista na capital paulista.

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As referências: de Scorsese às pistas de corrida

Fleezus sempre dialogou com o mundo que o formou. Mas em Crônicas, ele amplia o território. Agora, jazz encontra corrida de rua. Filosofia encontra gíria. E tudo isso convive sem conflito.

Ele já citou "Os Bons Companheiros" (1990), de Scorsese, como inspiração direta, especialmente pela forma como o filme trata da moral ambígua das ruas e da lealdade. Ao mesmo tempo, fala de autoentendimento, de "olhar pra dentro". Esse movimento começou em Off Mode, mas aqui ele se aprofunda.

Em "Pace de Malandro", a letra diz:

"Num pace de malandro pela capital / É o corre das notas, fui correr nas ruas."

O "pace" aqui é literal e simbólico. Ritmo de vida. Tempo de resistência. Corrida de sobrevivência. Fleezus, que corre com um grupo, transformou o esporte em metáfora. E funciona.

O disco também fala de fé, amizade, desigualdade. Sempre com o vocabulário da quebrada: gírias, ironias, desabafos, orações. Tudo natural. Sem forçar barra.

A recepção: o público entendeu o recado

Lançado em 8 de outubro de 2025, Crônicas tem 14 faixas e 41 minutos. Entrou nas principais playlists de rap do Spotify e Apple Music, e o público respondeu rápido: elogios pela honestidade, pela maturidade e pela autenticidade.

Portais como Música Instantânea e Rolling Stone Brasil destacaram a evolução do rapper. Um crítico definiu o disco como "um diário de campo da mente periférica: elegante, lúcido e sem vitimismo".

Contracapa do disco.

Em redes sociais, a palavra mais usada foi "pessoal". O público sentiu a diferença em relação a Off Mode: se aquele era sobre subir, esse é sobre observar. Fleezus olha pra dentro, pros lados, pra cidade inteira. E deixa a gente olhar junto.

De Off Mode pra Crônicas: a virada introspectiva

Se Eskibaile (2020) consolidou o grime brasileiro e Off Mode (2023) mostrou um Fleezus pronto pro mainstream, Crônicas revela o artista pleno. Consciente. Disposto a arriscar.

Enquanto Off Mode celebrava conquistas, Crônicas prefere a confissão. Fleezus descreve o disco como "crônicas da mente": pequenas narrativas sobre vida, fé, resistência. Se antes o foco era o barulho das ruas, agora é o silêncio entre um passo e outro.

Crônicas de quem ainda tá em movimento

Crônicas não é só um disco. É um momento. Um estágio. Uma pausa pra respirar antes de seguir correndo. Fleezus traduz São Paulo em ritmo, introspecção e poesia. A fusão de drill, grime e jazz cria uma atmosfera que, mesmo experimental, nunca perde o chão.

No fim, o disco funciona exatamente como o título promete: uma coletânea de histórias curtas, fragmentos de uma mente em trânsito. Cada faixa é uma página dessas crônicas, escritas entre a pressa da cidade e o tempo da reflexão.

"Crônicas vem pra tocar as pessoas no íntimo. É sobre entender como você tá, como funciona sua mente e como você observa o mundo", disse Fleezus no dia do lançamento.

E é exatamente isso que torna o disco tão forte: Fleezus não fala da rua; ele fala com a rua. E agora, mais do que nunca, também fala consigo mesmo. A gente só escuta. E sente junto.

Ouça já o disco completo:


Créditos:
Produzido por @cesrv e @ellifbeatz
Mixado e masterizado por @cesrv
Direção Criativa por @madeintrash_ , @zusflee e @lucasbroges
Obra em Tela por @madeintrash_
Lettering e Tipografia por @lucasbroges
Design Gráfico e Diagramação por @alefetanaka
Arte Final por @alefetanaka
A&R por @jorginhovelloso @renatoleroy e @cesrv
Produção por @larafer.nandes e @akabigodin
Imprensa por @omimcomunicacao
Digital por @7discoss


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