Entre ruas de Chefchaouen e o drill espanhol, a trajetória de Beny Jr

Entre ruas de Chefchaouen e o drill espanhol, a trajetória de Beny Jr

Nascido em Chefchaouen, cidade marroquina conhecida pelo azul intenso das paredes e pelas ladeiras estreitas que sobem a partir das montanhas do Rif, Beny Jr carrega desde a infância o cruzamento de culturas que define seu som. 

A trajetória começa com a migração da família para Girona, na Catalunha, onde cresceu imerso nas complexidades da vida nos bairros periféricos, espaços marcados tanto pela dureza econômica quanto pela pluralidade cultural trazida por famílias árabes, africanas e latino-americanas. 

É nesse cenário que se forma um imaginário duplo: o da memória de uma terra distante e o da urgência de sobreviver e se afirmar numa nova realidade.

Chefchaouen, apesar de pequena, é uma cidade carregada de simbolismo. Fundada no século XV por muçulmanos e judeus expulsos da Península Ibérica, mantém até hoje a herança arquitetônica andaluza e o uso característico da cal azul, tradição que alguns associam à espiritualidade e outros à função prática de repelir insetos e manter o frescor. 

Ao migrar, a imagem das ruas e das montanhas se torna uma espécie de arquivo afetivo que volta em detalhes: na escolha das cores para clipes, na construção de atmosferas sonoras e na maneira como se fala sobre “casa” mesmo estando longe.

O rap espanhol, no início dos anos 2010, vivia uma transição. O boom do trap começava a abrir espaço para linguagens mais cruas, influenciadas pelo drill britânico e pelo rap francês, que dialogavam com os códigos das ruas. 

Beny Jr surge nesse ambiente com uma proposta que não imita referências externas, mas adapta o formato à sua vivência..

A ascensão veio em grande parte por meio das colaborações. A conexão com Morad, um dos nomes mais influentes do rap espanhol recente, rendeu faixas que amplificaram a presença de ambos e reforçaram a ideia de uma cena catalã forte e articulada. O álbum em colaboração entre os dois circularam não apenas entre fãs de rap, mas também em espaços digitais onde o drill ainda não tinha tanta penetração, ajudando a expandir a estética para públicos que antes consumiam majoritariamente trap ou reggaeton. Essa parceria também simboliza algo maior, dois artistas descendentes de imigrantes, vindos de bairros diferentes, mas unidos pela mesma urgência de narrar suas vivências.

Fora do estúdio, Beny Jr mantém uma postura de baixo perfil, evitando entrevistas e aparições públicas excessivas, o que contrasta com a superexposição típica de artistas urbanos contemporâneos. Essa escolha reforça o mistério em torno de sua figura e transfere o foco para a música. O mesmo é visto sempre tampando o rosto, com as famosas balaclavas. Seja por qualquer motivo, esse contraposto com a exposição ajuda o artista a criar uma faceta única;

O impacto cultural de sua obra é ampliado pelo contexto migratório da Espanha no século XXI. Assim como outros artistas descendentes de imigrantes, Beny Jr representa uma geração que já não vive a fase inicial de adaptação dos pais, mas sim a de negociação da identidade, equilibrando a herança cultural com a realidade europeia. 

Essa dupla identidade, ao mesmo tempo ponte e fronteira, está presente nas letras, na escolha de referências visuais e até na forma de circular entre diferentes públicos. Se para alguns ele é um representante da cena espanhola, para outros é um porta-voz de uma juventude diaspórica que cria novas narrativas a partir de vivências fragmentadas.


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