De meio-campista a um dos compositores mais complexos da música brasileira

Numa Maceió ainda marcada pelo contraste entre a tranquilidade litorânea e as dificuldades do cotidiano, nasceu, em 27 de janeiro de 1949, Djavan Caetano Viana. Filho de uma lavadeira que cantava enquanto trabalhava, cresceu num ambiente em que a música fazia parte do dia a dia, mas não parecia, à primeira vista, um caminho profissional óbvio. Desde cedo, a bola dividia espaço com as melodias que ele ouvia em casa.
Durante a infância e adolescência, Djavan foi um garoto de bairro apaixonado por futebol. Entre os 11 e os 16 anos, vestiu a camisa do CSA nas categorias de base, atuando como meio-campista. Jogou também no invicto time amador Grêmio, famoso nos arredores.

Seu talento com a bola era comentado e, para quem o via jogar, o futuro parecia traçado, ou seguiria carreira no futebol ou ingressaria em algum caminho estável, como a carreira militar, a Academia das Agulhas Negras chegou a ser cogitada pela família.
Mas a história tomou outro rumo. Aos 16 anos, o violão entrou em cena e rapidamente ocupou o espaço que antes pertencia à bola. A decisão de abandonar o futebol não foi bem recebida em casa. Ainda assim, Djavan escolheu seguir o instinto, trocando a previsibilidade das chuteiras pela incerteza do palco.

O fim da década marcou seus primeiros passos concretos na música. Ele formou, em Maceió, o grupo Luz, Som, Dimensão (LSD), que tocava Beatles, bossa nova e clássicos da MPB em clubes e praças. Essa fase funcionou como uma verdadeira escola prática. Foi ali que Djavan aprendeu a se conectar com diferentes tipos de público, a improvisar diante de imprevistos e a criar arranjos adaptáveis. Montar e desmontar som, negociar apresentações, lidar com plateias exigentes, cada experiência reforçava a noção de que a música podia ser seu ofício.
Em 1973, mudou-se para o Rio de Janeiro. Chegou com um repertório modesto, algumas composições próprias e a ambição de viver de música. No início, cantou em casas noturnas e bares, até ser notado por produtores de televisão. Essa visibilidade o levou a interpretar trilhas para novelas da TV Globo, onde sua voz marcante começou a ganhar o ouvido do público nacional.

O primeiro álbum, “A Voz, o Violão, a Música de Djavan” (1976), já revelava uma assinatura distinta: harmonias sofisticadas e letras carregadas de imagens poéticas, como em “Flor de Lis”, que rapidamente se tornaria uma de suas músicas mais conhecidas.
Os anos 80 foram um período de consolidação e expansão estética. O álbum “Luz” (1982), gravado parcialmente nos Estados Unidos, trouxe um diálogo intenso com o soul e o jazz, sem perder a raiz brasileira. Foi nessa fase que Djavan iniciou colaborações como a gravação de “Samurai” com Stevie Wonder, união que simbolizava sua capacidade de atravessar fronteiras musicais.

O disco “Meu Lado” (1986) reforçou o alcance pop de seu trabalho, com faixas que equilibram apelo comercial e sofisticação harmônica. Ao mesmo tempo, Djavan mantinha forte diálogo com a cultura brasileira, incorporando elementos do samba, do baião e das polirritmias africanas.
Falar de Djavan é falar de acordes fora do óbvio. Suas canções, muitas vezes, usam modulações e cadências pouco exploradas na música popular brasileira, o que as torna objeto de estudo em escolas de música. As letras preferem sugerir a contar: imagens visuais, metáforas abertas, trechos que podem ter diferentes interpretações. Essa escolha aproxima suas composições da poesia, deixando espaço para que o ouvinte construa sua própria narrativa.

A ancestralidade africana é outro pilar. Para Djavan, ela não é uma referência distante, mas uma base viva, presente nas construções rítmicas e na concepção de música como narrativa oral. Essa ligação dialoga com sua habilidade de fundir tradição e modernidade.
Nos anos 90, Djavan já era um nome consagrado, mas manteve a busca por renovação. Lançou discos como “Coisa de Acender” (1992), que trouxe sucessos como “Se...”, e “Malásia” (1996), no qual explorou novas sonoridades e reafirmou seu compromisso com arranjos bem trabalhados.

Nessa fase, seus shows ganharam ainda mais importância como espaço de experimentação. A habilidade de alternar momentos intimistas, apenas voz e violão, com performances de banda completa reforçava a versatilidade artística.
Em 2001, Djavan fundou a Luanda Records, gravadora própria que lhe deu total controle criativo. Esse passo foi decisivo para manter a integridade artística num mercado cada vez mais pautado por demandas comerciais. Lançamentos como “Matizes” (2007) e “Rua dos Amores” (2012) mostraram que ele seguia atento às novas gerações, sem abrir mão de sua identidade.


Nos anos seguintes, Djavan se tornou referência para artistas de diversos gêneros. Do rap ao R&B, suas músicas foram sampleadas, regravadas e reinterpretadas, revelando um alcance intergeracional. Sua obra é estudada tanto por músicos populares quanto por acadêmicos de teoria musical, interessados na complexidade harmônica e na riqueza lírica de suas composições.
Há relatos de bastidores que revelam o perfeccionismo de Djavan. Em sessões de estúdio, ele era capaz de repetir uma frase melódica por horas até encontrar a respiração exata que buscava. Em turnês, costumava compor no quarto de hotel, registrando ideias em gravadores portáteis para depois desenvolvê-las com calma.

Outra curiosidade é que, mesmo com sua fama internacional, Djavan nunca abandonou o sotaque e a musicalidade nordestina. Seja em grandes palcos no exterior ou em shows no Brasil, ele mantém no repertório canções que dialogam diretamente com sua terra natal, preservando um elo com as origens.
A música de Djavan atravessou fronteiras sem precisar se adaptar ao que é moda. Esse talvez seja seu maior legado, provar que é possível ter alcance global mantendo um idioma musical próprio. Ao escolher a música no lugar do futebol, ele não apenas mudou seu destino, mas ajudou a redefinir a sonoridade da MPB.
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