Como o underground subverte os padrões do sistema

Como o underground subverte os padrões do sistema

Ao longo da história, o underground tem se mostrado um espaço fértil de resistência e subversão, criando linguagens próprias que desafiam os padrões impostos pelo sistema, pela mídia e pela cultura dominante. Nesse contexto, o underground surge não apenas como categoria estética, mas como importante fenômeno sociocultural que representa formas alternativas de expressão. O underground é como um contraponto musical que questiona padrões estabelecidos e desenvolve linguagens próprias fora do circuito mainstream.

Na música, a Tropicália, surgida no final dos anos 1960, estabeleceu as bases da subversão cultural organizada no Brasil. Durante a ditadura militar, artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil e os Mutantes combinaram ritmos nordestinos, rock psicodélico e elementos da cultura pop, questionando tanto o conservadorismo político quanto a visão estreita do nacionalismo musical. Esta abordagem funcionou de modo similar a uma colagem artística, reunindo elementos aparentemente incompatíveis para criar um novo significado.

Tropicália, movimento cultural brasileiro.

Na década seguinte, o punk rock intensificou o discurso contestador. Bandas brasileiras como Restos de Nada e Cólera expressavam, com sons diretos e letras objetivas, a revolta da juventude contra a opressão e as desigualdades sociais. O movimento seguia o princípio faça-você-mesmo: produção de fanzines, criação de selos independentes e estética provocativa, tal como uma oficina independente onde cada um construía suas próprias ferramentas de expressão.

Paralelamente, o hip-hop, originado nos guetos nova-iorquinos e introduzido no Brasil nos anos 1980 e 1990, firmou-se nas periferias como manifestação contra o racismo, violência policial e exclusão. Grupos como Racionais MC's transformaram o rap em instrumento de denúncia social, comparável a um jornal comunitário que amplifica vozes marginalizadas enquanto fortalece identidades periféricas.

O cinema underground também se desenvolveu, especialmente durante o Cinema Marginal (final dos anos 1960 e início dos 1970). Obras como O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, e A Mulher de Todos, de Júlio Bressane, utilizaram limitações técnicas como recursos expressivos: filmes de baixo orçamento com ironia, exagero e estética não convencional.

A Mulher de Todos, de Júlio Bressane.

A moda underground funcionou como manifestação visual de resistência. Hippies e punks criaram estilos deliberadamente contra-hegemônicos: roupas artesanais, cores psicodélicas ou, no caso dos punks, jaquetas rasgadas e símbolos provocativos. O vestuário se converteu em forma de protesto contra a lógica consumista, similar a cartazes ambulantes. Contudo, muitos destes símbolos de resistência foram posteriormente incorporados pela indústria cultural, gerando tensão entre autenticidade e cooptação nos movimentos underground.

Na arte, o grafite e a street art surgiram como expressões urbanas marginais, frequentemente criminalizadas, que transformaram espaços públicos em plataformas de manifestação. Esta transição da criminalização ao eventual reconhecimento como "arte legítima" exemplifica as contradições enfrentadas por expressões culturais originadas nas margens, assim como ocorre quando comunidades periféricas ganham visibilidade institucional.

Manguebeat e a Revolução Cultural de Recife

Nos anos 1990, surgiu em Recife o Manguebeat, movimento que representa a trajetória underground brasileira. O movimento uniu ritmos tradicionais como maracatu ao rock, funk e hip-hop, constituindo um manifesto contra a pobreza e isolamento artístico pernambucano. O símbolo do "caranguejo com cérebro" expressava a proposta de conectar tradição e modernidade ou, nas palavras de Chico Science, instalar "uma parabólica na lama". Esta combinação de elementos locais e globais questionava tanto o abandono institucional quanto a centralização cultural no Sudeste, similar a um sistema de irrigação que revitalizou terrenos culturais antes negligenciados.

Chico Science & Nação Zumbi.

A Dialética da Marginalidade

O underground constitui fundamentalmente um gesto político e cultural que estabelece espaços alternativos de expressão, rejeita o consumismo como norma e constrói identidades coletivas a partir da marginalidade. Quando essas expressões são absorvidas pelo mainstream, demonstram apenas como movimentos periféricos podem influenciar estruturas centrais, assim como pequenos afluentes modificam o curso de grandes rios.

Este ciclo de subversão-absorção-nova subversão representa a dinâmica básica da cultura contemporânea. No Brasil e globalmente, os movimentos underground funcionaram como catalisadores que, através da música, moda, arte e cinema, abriram caminhos para novas formas de pensar e viver a cultura. Enquanto existirem sistemas opressores, novas expressões continuarão surgindo das margens, comparáveis a novas tecnologias que tornam obsoletos sistemas anteriores, desafiando o estabelecido e reinventando códigos culturais.

Coletivo musical americano Underground Resistance.

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