Belly: A Chegada do Rap ao Cinema
Poucos filmes sofreram tantos ataques e, ao mesmo tempo, permaneceram tão vivos na memória como Belly. Inicialmente mal avaliado pela crítica e marcado por problemas na produção, o filme de Hype Williams estreou em novembro de 1998 com uma promessa não cumprida: uma viagem visual fadada ao esquecimento.
No entanto, com o passar do tempo, aquilo que parecia um erro se consolidou como um clássico cult. Vinte anos depois, o filme ainda ressoa nas referências do rap, da moda e dos videoclipes. É como se Belly não tivesse alcançado o sucesso no cinema, mas tivesse se tornado um mito.

Hype Williams cresceu no Queens nos anos 70, imerso no som que daria forma ao hip-hop. Antes da câmera, veio o graffiti e, com ele, a vontade de deixar sua marca nas ruas. Quando começou a estudar cinema, o rap ainda não possuía uma linguagem visual própria. Com o surgimento da MTV no início dos anos 80 e do Video Music Box, eles foram os percursores do espaço na TV para o gênero. Foi ali que Hype aprendeu a traduzir a estética do gueto: o gesto, a perspectiva, a luz.
Em 1991, ele já dirigia seus próprios vídeos: "We Want Money" do BWP e "Just Hanging Out" do Main Source, o mesmo grupo que apresentou o jovem Nas ao mundo. Sete anos depois, o destino os reuniria em Belly, num movimento quase completo: o jovem que aprendeu a filmar o hip-hop retornava para filmar sua própria lenda.

A era da estética brilhante
Nos anos 90, Hype Williams moldou a estética do rap. Seus videoclipes pareciam feitos de neon em estado líquido: lentes fisheye, closes fechados, planos abertos com saturação no máximo. Missy Elliott e Busta Rhymes foram seus parceiros ideais, artistas tão ousados quanto ele.
“The Rain (Supa Dupa Fly)”, “Woo Hah!! Got You All in Check”, “Big Poppa”, “Hey Lover”: cada vídeo era uma explosão de cor e identidade. O clipe de “The Rain”, com Missy vestida em um traje inflável preto e um óculos cravejado de cristais, permanece como um ícone de excentricidade e poder visual.
Foi a época de ouro das roupas chamativas, com Diddy e Mase flutuando em "Mo Money Mo Problems" vestindo ternos vermelhos brilhantes, marcando o momento em que o rap abraçava a exuberância: o luxo como desafio, o brilho como proteção.
Hype Williams transformou a câmera em um espelho, onde a população negra das cidades podia se enxergar poderosa, bela e invulnerável. E, nos bastidores do rap, uma figura chave: June Ambrose, a estilista que vestiu Nas e DMX com marcas como Avirex, Enyce e Evisu, criando o visual icônico de toda uma geração.

Quando Hype Williams decidiu dirigir Belly, parecia um passo natural: o mestre dos videoclipes queria mostrar que podia fazer cinema. O resultado, no entanto, ficou entre o sonho e o desastre. O elenco (Nas, DMX, Method Man, Tionne “T-Boz” Watkins, AZ, Ghostface Killah) prometia uma saga do hip-hop. E a cena inicial, com Nas e DMX em câmera lenta sob luzes neon, parecia resumir a linguagem de Hype Williams em poucos instantes: luz ultravioleta, violência coreografada, uma boate hipnotizante. Metade do orçamento se foi ali e, de certa forma, o filme todo reside nessa sequência.

O roteiro era frágil, as atuações irregulares e o ambiente de filmagem, caótico. Houveram relatos de que DMX e Nas chegavam atrasados, às vezes sob efeito de substâncias; as filmagens se prolongavam. A crítica o rotulou de “videoclipe estendido”. Mas é justamente esse “erro” que o torna único: Belly é um filme que rejeita o realismo e aposta na estética como forma de contar a história. Hype Williams dirige como se pintasse: cada cena é uma aula visual, e a história se perde na intensidade das imagens.
Conflitos culturais
Belly tem uma questão que só foi valorizada com o tempo. Pela primeira vez, um diretor negro filmava atores negros com a pretensão de Kubrick e a beleza de Wong Kar-Wai. Williams tratava a pele negra com respeito: luzes ajustadas para realçar, não apagar. Ele criou uma estética de poder.

Por isso, a reação negativa da crítica não surpreende. Muitos viram em Belly apenas uma fantasia de criminosos, sem perceber a ousadia em sua forma. Ao exagerar no brilho, Hype Williams desafiava o olhar branco. O luxo, as joias e as roupas (símbolos de ostentação) se transformavam em armaduras. Era como se dissesse: "Se o mundo não nos quer brilhantes, vamos cegá-los com o nosso brilho."
Referências nos dias atuais
Videoclipes atuais, como “Numb Numb Juice”, de Schoolboy Q, ou até “Magnolia”, de Playboi Carti, referenciam e homenageiam o filme através das paletas, dos cenários e até mesmo do uso da lente fisheye, que evocam o efeito nostálgico dos anos 90.

No fim das contas, Belly nunca se limitou a retratar o crime. É sobre o estilo como meio de permanecer vivo. Em cada detalhe (um par de Timberlands, um moletom da Carhartt, um colar chamativo) envolve a declaração de uma existência. O filme transformou o visual em uma linguagem de oposição.
O destino de Belly foi semelhante ao do próprio hip-hop: subestimado, incompreendido e, por fim, triunfante. Hype Williams não voltou a dirigir outro filme, mas sua obra superou todos os estigmas. Influenciou cineastas como Barry Jenkins, Issa Rae e Jordan Peele, que herdaram seu olhar sensível para a cor e a cultura negra.

Atualmente, quando artistas como Schoolboy Q trazem de volta suas composições de imagem, Belly se mostra mais do que um filme: é um manual visual, uma declaração sobre a beleza de brilhar com luz própria. O que começou como um fracasso se tornou referência estética. Hype Williams não apenas filmou o hip-hop: ele o iluminou até que se tornasse uma forma de arte.









Belly - 1998.