Al Díaz, a mente por trás do SAMO© e da evolução do graffiti nova-iorquino

Al Díaz, a mente por trás do SAMO© e da evolução do graffiti nova-iorquino

Durante os anos 70, era quase impossível não se deparar com as enigmáticas escritas "SAMO" por toda Manhattan. Naquele período conturbado, dois jovens de origens humildes começaram a escrever frases simples e sarcásticas nas paredes, dando origem a um movimento.

O graffiti nova-iorquino surgiu nas sombras de uma metrópole à beira do colapso financeiro. Nos anos 70, a crise financeira fez o governo reduzir os gastos com investimentos públicos, causando abandono de trens e prédios por toda a cidade. Jovens de bairros pobres, como latinos, caribenhos e afro-americanos, descobriram nos vagões de metrô e nas paredes uma tela em branco para se manifestar.

Foi aí que surgiu a ideia do "All-City": espalhar um nome por todos os bairros da cidade. As assinaturas mas precisamente as Tags, logo viraram painéis grandes e coloridos que cobriam trens inteiros, com cores vivas e letras estilizadas. Embora fosse proibido, essa prática unia jovens de diferentes lugares e contextos sociais. Mesmo arriscando ser punidos, esses artistas de rua queriam ser reconhecidos em uma cidade que os ignorava.

Com o tempo, o graffiti passou a dialogar com a cultura hip hop, ficou conhecido no mundo todo e começou a ser visto não como vandalismo, mas como arte de verdade. Nomes como Dondi, Lady Pink, Zephyr e Lee Quinones são ícones desse momento de transformação.

Al Díaz: o cronista urbano

Foi nesse cenário que cresceu Al Díaz, filho de imigrantes porto-riquenhos, nascido no Brooklyn em 1959. Com apenas 13 anos, já era conhecido como “BOMB ONE”, um dos primeiros nomes a circular com destaque em metrôs da cidade. Seus graffitis cobriram estações e trens inteiras, sempre buscando reconhecimento entre outros praticantes do graffiti.

Al Díaz ainda jovem.
“No conjunto habitacional Jacob Riis, eu era conhecido como o garoto que escrevia nas paredes. Ser escritor era uma identidade, como ser skatista, atleta ou punk”, diz Diaz, que começou a escrever em 1971, com apenas 12 anos de idade.

Mas Díaz não queria apenas espalhar seu nome: também era fascinado por poesia, música e crítica social. Foi essa inquietação que o levou a uma escola experimental em Manhattan, onde, no fim de 1976, conheceu um colega que mudaria sua trajetória: Jean-Michel Basquiat.

Al Díaz e Jean-Michel Basquiat.

Al e Jean-Michel rapidamente se tornaram amigos. Compartilhavam gostos parecidos, ouviam rap, liam poesia e escreviam juntos. Um dia, sentados no corredor da escola, fizeram uma brincadeira com a frase "Same Old Shit" (sempre a mesma coisa). Nascia ali o SAMO©, uma abreviação irônica de "mais do mesmo". Aos poucos, a brincadeira virou uma marca.

Com canetas e sprays, os dois começaram a espalhar frases curtas pelas ruas do SoHo e do Lower East Side. Mas diferente da maioria dos grafiteiros da época, eles não usavam códigos secretos. Suas mensagens eram irônicas, diretas e fáceis de ler: "SAMO© como alternativa à religião", "SAMO© salva idiotas", "SAMO© está chegando".

Essa abordagem teve efeito imediato. As escritas do SAMO© já eram assunto entre artistas, críticos e curiosos no centro de Manhattan em 1978. Jornais como o Village Voice publicaram matérias tentando descobrir quem estava por trás de frases que pareciam propaganda, mas eram cheias de ironia e crítica.

Foi assim que Díaz e Basquiat mostraram que o graffiti não precisava ser um código só para quem entendia. A cidade era o palco. O público era todo mundo. E a arte não pedia permissão para existir.

Al Díaz e Jean-Michel Basquiat transformaram o graffiti ao romper o código restrito das "tags" ilegíveis, criando uma intervenção urbana que qualquer pessoa poderia ler e atraindo a atenção do meio artístico. Além de mudarem suas vidas pessoais, eles deixaram uma marca permanente na cultura visual de Nova York.

O sucesso do SAMO© levou Basquiat para o mundo das galerias e exposições de arte, e logo depois ele deixou o projeto para seguir carreira sozinho, se tornando um dos artistas mais importantes do século XX alcançando o estrelato. Já Al Díaz continuou ligado à arte de rua, permaneceu fiel à cultura de suas raízes, participou de projetos de música e arte visual, e só anos depois voltou a usar o nome SAMO© em colagens e instalações no metrô.

Hoje, o legado do SAMO© é estudado em universidades de arte, mencionado em exposições e guardado em museus. O que começou como rabiscos de provocações se transformou em um capítulo importante da história visual de Nova York e do mundo.

Al Díaz continua ativo, mantendo vivo esse espírito de contestação. Em 2018, lançou um livro sobre o SAMO©, confirmando sua autoria e a importância histórica desse trabalho. Sua trajetória mostra que o graffiti pode ser mais que uma assinatura ou rebeldia de jovem: pode ser crítica, poesia e protesto.

“O mais incrível é que o grafite de Nova York é uma comunidade de verdade”, diz Diaz. “Temos grupos nas redes sociais e todo mundo tem o número de todo mundo. Se você precisar entrar em contato com alguém, basta estar a dois passos de distância.”

Quando dois jovens do subúrbio de Nova York decidiram deixar mensagens enigmáticas nos muros de uma cidade em crise, provavelmente não previam que estavam dando início a uma nova expressão artística pública. E essa iniciativa ousada ainda ressoa atualmente, sempre que a cidade se transforma em texto e cada parede se torna um convite para ler. O legado de Al Diaz junto de Basquiat é um grande exemplo da força que a cultura urbana tem ao subverter os padrões da sociedade que conhecemos.


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