A trajetória de Grace LaDoja redefine o que é contar histórias visuais com propósito.

A visão por trás da estética que moldou Skepta, o Grime e o Homecoming Festival.

A trajetória de Grace LaDoja redefine o que é contar histórias visuais com propósito.
Grace em seu festival "Homecoming". (Reprodução)

No meio do caos londrino dos anos 2010, havia algo que destoava do ruído e da repetição. O videoclipe de Shutdown, lançado em 2015, trazia Skepta como protagonista, mas havia outra assinatura ali invisível, porém incontornável. A direção era de Grace LaDoja, figura central na construção imagética, cultural e estratégica de uma nova fase do grime britânico. Manager, diretora criativa e arquiteta de um movimento.

Filha de nigerianos e criada no norte de Londres, LaDoja cresceu entre culturas, códigos e referências visuais que mais tarde virariam matéria-prima para seu trabalho. Carregou desde cedo a inquietação criativa de quem entende que as imagens contam histórias para além do óbvio. Antes de se tornar manager de Skepta, ela já era conhecida pela sua atuação no cinema, na produção de videoclipes e na conexão entre música, moda e narrativas visuais. 

Começou com vídeos experimentais, direção de campanhas para marcas como Nike e documentários sobre juventude e identidade. Mais tarde, tornou-se empresária musical, gerenciando artistas como Skepta, com quem conquistou o Mercury Prize pelo álbum Konnichiwa. Em 2018, recebeu a honraria MBE (Member of the British Empire) por suas contribuições à música e cultura britânicas.

Vídeoclipe "Shutdown" dirigido por Grace e interpretado por Skepta.

Seu foco é a construção de um universo. 

Shutdown se passa no Barbican Centre, um prédio brutalista e silencioso que contrasta com a energia do som. Skepta veste o mesmo tom do concreto. Tudo é calculado. A pausa entre batidas, a frieza do ambiente, a rigidez da composição. O cenário desenha sua própria iconografia. O olhar de Grace entende o grime não só como gênero musical, mas como linguagem visual, urbana e politizada.

Registro do Barbican Centre

Nos bastidores, ela atuou como estrategista. Ao gerenciar a carreira de Skepta, ajudou a posicionar sua imagem, criando conexões entre a cultura de rua londrina, o sistema da arte contemporânea e o circuito de moda internacional. Em vez de traduzir a cultura para o mainstream, LaDoja redesenha o centro para que outras margens também caibam nele.

Esse olhar de valorização da origem e do território culmina em um dos seus projetos mais ambiciosos: o Homecoming Festival, realizado desde 2017 em Lagos, na Nigéria. O Homecoming é uma plataforma de reencontro. Um retorno à raiz para artistas da diáspora, mas também um espaço de potência criativa para a juventude africana. Com shows, desfiles, painéis e ativações de marcas, o Homecoming promove um reencontro entre África e sua diáspora, mas sob um ponto de vista que foge do exotismo e do folclore. Aqui, a África não é um lugar a ser “descoberto”, mas um polo de criação e inovação.

O festival também revela outra faceta de LaDoja: a de curadora. Ela entende o poder da narrativa coletiva e busca reunir vozes que, por muito tempo, foram ignoradas. Cada edição do Homecoming é um mosaico onde moda, música e arte se entrelaçam. Nomes como Virgil Abloh, Burna Boy, Naomi Campbell e Asake já participaram como parte de uma cena viva que se pensa a partir do Sul global.

Qual o real impacto?

Grace LaDoja é uma ponte entre culturas. Usa sua experiência e visão para amplificar vozes africanas no cenário global. Seu trabalho destaca a importância da educação, da colaboração e da representatividade na construção de uma indústria criativa mais inclusiva e diversificada. Além disso, ela é mentora de jovens talentos e defensora da igualdade de gênero nas indústrias criativas.

Tudo isso com uma abordagem que escapa da lógica do hype. Em seu trabalho existe método, afeto e pertencimento. A imagem que ela constrói é sobre como queremos ser vistos, mas também sobre como nos reconhecemos.

Shutdown, Homecoming, Skepta, essas são só as pontas do iceberg. O que existe abaixo é uma artista que pensa a cultura de forma coletiva e comprometida. E que continua criando futuros com quem, por muito tempo, teve o olhar ignorado.


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