A importância da Supreme para a cultura do skate em Nova York
Era 1994. Em uma esquina da Lafayette Street, no meio do caos da cidade de Nova York, um grupo de pessoas começava a desenhar um movimento, sem roteiro, sem pretensão: a sensação era de que algo novo estava começando.
Jovens se reuniam em frente a uma pequena loja recém-inaugurada, atraídos pela energia do local e pelas pessoas que a frequentavam. Aquele espaço se chamava Supreme e, sem saber, inaugurava um novo capítulo na cena do skate nova-iorquino.

Indo além de apenas uma skateshop, o local era um ponto de fuga. Um lugar onde a cultura do skate nova-iorquino se cruzava com moda, música e comportamento.
O documentário Empire Skate, da série 30 for 30, da ESPN, revisita esse momento em que as ruas deixaram de ser apenas cenário e se tornaram o centro da narrativa, revelando como a Supreme catalisou uma geração e definiu o ritmo da cultura urbana nos anos 90.

Empire Skate é preciso ao mostrar que a marca não inventou a cultura de rua, mas agiu como um catalizador que conectou diversas tendências em um momento singular. James Jebbia, o criador da marca, logo percebeu que precisava oferecer algo além de roupas para skatistas, ele precisava vender identificação.
O que diferenciou a Supreme desde o primeiro dia foi a escolha visual da loja. Jebbia projetou um layout minimalista, mas que se propunha a ser uma skateshop, essa decisão de design e propósito a tornou diferente do que era visto em Nova York. As outras lojas de Manhattan eram mais voltadas ao esporte em geral do que ao skate propriamente dito.

Como resultado, a Supreme atraiu pessoas que de fato consumiam a cultura do skate. Os skatistas que frequentavam a loja não eram apenas clientes, eles é que davam vida ao lugar.
Priorizando a cultura em vez de apenas vender produtos, Jebbia transformou uma simples loja em um ponto de referência. A Supreme permitiu que a própria subcultura assumisse o controle, transformando-o em comunidade e espaço sagrado.

O documentário Empire Skate traça meticulosamente essa evolução, da "pequena loja de skate" a um "império global do streetwear" e um "fenômeno global". O longa conta a "história não contada da Supreme através da perspectiva de um grupo de jovens skatistas de Nova York" que ajudaram a lançar o movimento.
Notavelmente, Empire Skate centra sua narrativa nos "retratos íntimos dos skatistas que deram vida a esse mundo", figuras como Justin Pierce, Harold Hunter, Gio Estevez, Peter Bici e Mike Hernandez que aliás, não podemos esquecer de destacar que tiveram papéis proeminentes no longa "KIDS" de 1995. O império global da Supreme é o resultado da capacidade de Jebbia de unir tudo e comercializar essa energia crua de Nova York.

Para compreender essa transformação, é preciso olhar para outros lugares.
Ao contrário das rampas de madeira e dos espaços ensolarados que caracterizavam o skate na Califórnia, o skate em Nova York nos anos 90 era uma luta direta contra a arquitetura da cidade.
A cena de Nova York era "mais 'gritty' (crua) e com raízes urbanas". Este estilo não foi uma escolha estética, foi um produto do determinismo arquitetônico. O ambientação das ruas de Nova York impôs um conjunto diferente de regras, em vez de skateparks construídos para esse fim, os "spots" icônicos eram lugares já conhecidos da cidade como:
Brooklyn Banks: Um local reverenciado sob a Ponte do Brooklyn, famoso não por um chão liso, mas por suas superfícies de "tijolo" ondulado. O próprio ato de andar de skate em tijolos ásperos define o "grit" da Costa Leste.

Locais também como o Astor Place e o Time Life Building, bem como as inúmeras escadarias e corrimãos da cidade, tornaram-se o playground para os skatistas.
A característica “improvisada” era uma resposta direta a um ambiente não projetado para o skate. Essa abordagem, mais crua, menos convencional, tornou-se a autenticidade que marcas como a Supreme eventualmente exportariam para o mundo.

E justamente em meio a essa carência que surgiu a união retratada no documentário. O skate estabeleceu uma conexão imediata com o universo do hip hop. A rebeldia punk já não era o foco principal, mas sim sobre andar de skate ao som de Wu Tang Clan, vestindo calças largas e os memoráveis "Chunky sneakers" em português "Tênis robustos".
Empire Skate é descrito como uma jornada por um momento único em que diferentes movimentos se uniram em uma só cidade, se tornando os principais pilares da cultura urbana de Nova York: skate, rap e graffiti.

Mas não podemos esquecer que a Zoo York foi quem pavimentou para a fusão cultural que a Supreme aperfeiçoaria em seguida. Fundada em 1993, a Zoo York foi uma das primeiras marcas da Costa Leste a construir sua identidade explicitamente em "suas raízes na cultura do skate, graffiti e hip hop". O próprio nome "Zoo York" era uma homenagem a um coletivo de artistas de graffiti dos anos 70. As fitas de skate da Zoo York usavam trilhas sonoras do Wu-Tang Clan. Isso não foi um cruzamento acidental e sim uma fusão cultural.

O que a Supreme e a "era de ouro" de Nova York ajudaram a globalizar, foi essa fusão de "grit" urbano, moda hip-hop e movimento irreverente. A marca se tornou o veículo de exportação para a atitude tipicamente "nova-iorquina" e intimidadora.
Atualmente, com o skate reconhecido como modalidade olímpica e a Supreme consolidada como um império bilionário, Empire Skate serve como uma homenagem e talvez um adeus. O documentário registra uma época em que a autenticidade não podia ser criada artificialmente, apenas vivida nas ruas de uma grande metrópole que, assim como aquela atitude rebelde, ficou no passado.