A Ética de Trabalho do Prince

A Ética de Trabalho do Prince

Prince Rogers Nelson ou só Prince, enxergava a música como um ofício, não um espetáculo. Antes de ser ícone, provocador ou símbolo de liberdade, foi um trabalhador incansável de sua própria arte. Sua rotina era movida por disciplina e experimentação, transformando o estúdio em uma extensão do corpo e da mente. Por trás das performances lendárias e do visual marcante, havia um criador que acreditava que a verdadeira genialidade não surge do impulso, mas da repetição, do erro e do aprimoramento constante.

Nascido em Minneapolis, Minnesota, em meio a uma sociedade fortemente segregada, Prince cresceu entre contrastes: um cenário que moldaria seu olhar artístico.

Filho de John L. Nelson, pianista de jazz, e Mattie Della, cantora, herdou tanto o dom quanto o rigor musical. Desde os três anos, passava horas observando o pai tocando piano. A casa era seu primeiro estúdio, mas também um campo de tensões: o divórcio dos pais, quando ele tinha sete anos, o empurrou ainda mais para dentro da música, que virou refúgio e afirmação de identidade.

Nesse ambiente de isolamento e escassez de referências negras de sucesso, Prince desenvolveu um impulso criativo incontrolável: um desejo de provar sua singularidade em cada nota. Na juventude, a curiosidade era sua marca. Enquanto outros adolescentes se dividiam entre festas e esportes, ele se isolava com instrumentos e gravadores.

Autodidata, aprendeu sozinho guitarra, baixo, bateria, piano e sintetizadores. Ainda no colégio, formou a banda Grand Central, onde misturava funk, rock, soul e pop: gêneros que, mais tarde, seriam o alicerce da sua linguagem.

A obsessão pelo som perfeito não era vaidade, mas método. O futuro parceiro Jimmy Jam dizia: "Prince podia pegar qualquer instrumento e tocá-lo dez vezes melhor que todo mundo." Ali nascia a disciplina que moldaria toda sua carreira.

Aos 18 anos, Prince assinou com a Warner Bros. exigindo algo inédito para um estreante: controle total sobre sua música. E conseguiu. Em For You (1978), tocou, produziu e arranjou todos os 27 instrumentos creditados: uma façanha que revelou seu perfeccionismo e sua crença no trabalho artesanal.

Nos discos seguintes, Prince (1979) e Dirty Mind (1980), essa ética encontrou forma em faixas ousadas, que misturavam erotismo, crítica e inovação sonora.

Em 1984, Purple Rain consagrou o auge dessa visão: filme, álbum e single simultaneamente no topo das paradas. O projeto foi a síntese da mente de Prince: composição, performance e direção sob o mesmo comando.

Mais tarde, Sign o' the Times (1987) ampliaria seu alcance estético, provando que ele não era apenas um artista de hits, mas um arquiteto de som.

Prince dominava cada camada da música como um engenheiro domina o espaço.

Era produtor, editor, arranjador e crítico de si mesmo. O estúdio era seu templo; e o relógio, irrelevante. Sua música unia a complexidade harmônica do jazz à pulsação física do funk, à estrutura pop e à teatralidade do rock.

Em Purple Rain, os acordes suspensos e as mudanças de tonalidade criam uma tensão emocional que só se resolve no clímax do refrão. Cada faixa era construída como um organismo vivo: melodia, harmonia e groove respiravam em conjunto.

Naquela época, as pessoas não faziam álbuns em computadores. Você tinha que alugar um estúdio por algumas centenas de dólares por dia se quisesse gravar música, e o estúdio vinha com um engenheiro. No caso de Prince, que Deus ajudasse aquele pobre engenheiro: se você fizesse qualquer coisa que atrasasse Prince, você estava fora. É por isso que Prince preferia trabalhar com mulheres no estúdio, pois elas trabalhavam com zero fricção, e zero fricção é igual a velocidade.

Engenheira de som Susan Rogers, testemunhou ele fazendo uma música por dia durante cinco anos, incluindo sucessos como "Kiss" e "Sign o' the Times". Ele tocava todas as partes, cantava seus vocais principais, seus backing vocals, adicionava o material final.

Engenheira de som Susan Rogers.

"Eu mixava enquanto a música se juntava e, geralmente, um dia depois, ela estava pronta. Nós podíamos fazer – e fizemos – um álbum em uma semana. E tudo o que ele tinha quando chegava eram letras rabiscadas no seu quarto de hotel. Ele vinha com papel timbrado do Le Parc com as letras e saía com uma música totalmente escrita, gravada e mixada no final. Ele pulava para o teclado, depois para a guitarra. Era simplesmente funky. Você pensa: Cara, como ele consegue isso? Ele toca todos os instrumentos, ele tocava tudo e ele mixava também, e mixava em um dia. Tudo era basicamente um take" - comenta Susan Rogers.

Prince estava em constante fluxo, era como um funil, como se alguém estivesse derramando essas músicas nele, e elas continuavam saindo pela outra ponta. Ele elevou o padrão de quão rápido você poderia criar uma música de sucesso. Mais do que um perfeccionista, Prince foi um pensador da autonomia criativa.

Sua ética de trabalho ia além da técnica: era uma filosofia.

Ele acreditava que liberdade artística só existe quando o artista domina cada etapa do processo. Por isso, lutou contra as gravadoras, chegando a mudar o nome para um símbolo impronunciável e escrever "SLAVE" no rosto, em protesto ao controle da Warner Bros.

Prince desmontava o próprio sistema que o consagrava. Sua rebeldia era organizada, quase científica: um projeto de autossuficiência artística.

Prince em um show com o rosto escrito "slave" como uma forma de protesto, que em português significa "escravo".

Prince surgiu na era da MTV, quando artistas negros eram minoria na tela. Seu sucesso com Little Red Corvette quebrou barreiras raciais, abrindo espaço para toda uma geração.

Mas ele também desafiou convenções de gênero, sexualidade e espiritualidade. Roupas andróginas, símbolos religiosos misturados a erotismo, e letras que oscilavam entre fé e desejo: tudo fazia parte de uma crítica maior à necessidade de categorizar a arte e o artista.

O Los Angeles Times o descreveu como alguém que "abraçava cada nova tecnologia a serviço do groove".

A Rolling Stone, por sua vez, o viu como "um dos poucos artistas capazes de unir sensualidade, espiritualidade e rebeldia em uma só faixa". Prince usava o estúdio como manifesto político: provar que a genialidade negra podia (e devia) comandar seus próprios meios de produção.

A ética de trabalho de Prince foi o eixo de toda sua genialidade. Durante quatro décadas, lançou 39 álbuns e deixou um cofre com mais de mil músicas inéditas.

Sua vida mostrou que ser genial não é nascer com dom, mas transformar disciplina em arte. Prince não entregava respostas: entregava espelhos. E, neles, todo criador podia se ver: dedicado, obcecado e livre.


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