A cadência das radiolas de reggae de São Luís
As madrugadas em São Luís ganham outro ritmo quando as pessoas se juntam nos bailes das periferias para dançar coladas ao som do reggae que toca dos paredões. As luzes neon refletidas nas caixas empilhadas constroem um ambiente com cores quentes, enquanto as radiolas compõem espaço na noite com seus graves que atravessam quarteirões inteiros. É nesse clima que a cidade mantém viva uma tradição que moldou sua identidade musical. Afinal, não há outro lugar no Brasil que produza reggae com tanta intimidade quanto São Luís.

Para entender essa relação profunda entre cidade e reggae, é preciso voltar às décadas de 70 e 80. Naquele período, São Luís não contava com rádios ou gravadoras locais que tocassem o ritmo jamaicano. No Brasil predominavam gêneros como tango, bolero, merengue e a Jovem Guarda. Essas músicas chegavam às casas maranhenses pelas rádios e pelas vitrolas (aliás, foi desses equipamentos que veio o termo “radiola”).

O reggae, por outro lado, só entrava na cidade através de sinais de rádio captados de fora. E foi nesse cenário escasso que surgiu a "Estrela do Som", radiola lendária que ajudou a popularizar o ritmo e consolidou São Luís como a capital nacional do reggae.
Construída por Antônio José, a bateria de som ajudou a constituir a capital maranhense como a Jamaica Brasileira, nos anos 80 e 90. Os historiadores descrevem que o Reggae só chegou ao Maranhão devida a posição geográfica do estado que possibilitava sintonizar rádios da região do Caribe.


Antônio José e a radiola Estrela do Som (Natty Naifson/Arquivo).
Os primeiros contatos com o Reggae vieram daí. Então, os maranhenses ressignificaram muitas composições Jamaicanas. Sem saber o nome de muitas delas, as músicas recebiam a denominação de "Melô" e o nome de quem tocava o som nas radiolas ou de alguma mulher que eles queriam homenagear.
Após inúmeros maranhenses viajarem para a Jamaica, muitos discos vieram na bagagem e a cena se consolidou.
Com a consolidação do movimento, surgiram os primeiros programas de rádio de reggae na década de 80 e 90, seguidos pelo programa de TV "Conexão Jamaica". As festas e clubes de bairro ficavam lotados de fãs. Esse ritmo jamaicano encontrou espaço em uma cidade com poucas opções de lazer, tornando-se um fenômeno cultural forte e inesperado.

O som jamaicano se transformou em um símbolo de identidade popular: um movimento de diferentes sotaques, fruto de décadas de construção coletiva. E os nomes que surgiram dali fazem jus a legitimidade ao fenômeno, como: Riba Macedo, DJ pioneiro das radiolas em Sacavém, e Fauzi Beydoun, vocalista da banda maranhense Tribo de Jah, dividiram o palco nacional com lendas jamaicanas.

Outras figuras importantes como a Célia Sampaio, conhecida como a "rainha" do reggae brasileiro, todos esses nomes mostram que, se Bob Marley é o rei em Kingston, também temos nossos reis do reggae aqui no Brasil.
Nos anos seguintes surgiu o reggae roots agarradinho, uma dança maranhense onde os pares dançam colados ao ritmo lento do roots. Romântico e envolvente, com aquela energia dos bailes de periferia e das radiolas, o agarradinho fez do reggae uma experiência coletiva e cheia de sentimento, fazendo de São Luís uma das capitais do gênero no Brasil.

O reggae maranhense se mantém vivo e forte. Na verdade, passou por uma renovação que o manteve fiel às raízes. O Museu do Reggae do Maranhão, o primeiro fora da Jamaica, foi inaugurado em 2018, e o governo declarou o reggae como patrimônio cultural. Festivais recentes, como o Ilha do Reggae, trazem estrelas internacionais como Burning Spear e Ky-Mani Marley, que dividem o palco com artistas locais.
Vale notar que hoje o que importa é ser autêntico, não ser famoso. Essas pessoas não busca sucesso nas paradas musicais, mas sim manter vivo o ritmo original.
É uma comunidade realmente fascinante, não só pela paixão com a qual as pessoas se relacionam com a cultura do reggae, mas sobretudo pelo modo como o Brasil absorveu o som da Jamaica para criar algo que é a sua cara, e não uma simples reinterpretação do que veio de fora.

Só em São Luís você vai sentir o clima que é dançar o reggae roots agarradinho. Como dizem os DJs: é mais importante preservar o som tradicional e o agarradinho do que virar moda passageira.
Em resumo, o reggae continua forte em São Luís porque lá existe uma cultura de resistência real, que valoriza o som urbano em vez da fama na mídia.
Essa matéria foi feita em homenagem a exposição de 2019 do fotógrafo Felipe Larozza, conheça mais sobre o trabalho do artista.








Imagens da exposição de Felipe Larozza.