30 anos do filme KIDS e o retrato cru e urgente da juventude
Em 2025, o filme Kids completa 30 anos desde sua estreia em Cannes (1995), e ainda persiste como retrato controverso, cru e urgente da juventude urbana.

Em 2025, o filme Kids completa 30 anos desde sua estreia em Cannes (1995), e ainda persiste como retrato controverso, cru e urgente da juventude urbana.
O filme contém uma gênese muito específica, tratava-se de uma mostra em formato de longa metragem sobre como a juventude estava se sentindo e desenvolvendo na época, algo impactante no mundo inteiro, que puderam ver como toda essa construção não era exclusiva da cidade de Nova York.
E primordialmente, a forma como o filme expõe violência, sexo, vício e a sensação de estar perdido mesmo com tudo acontecendo ao seu redor.
A provocação começa na concepção.
Larry Clark dirigiu o longa com um elenco formado por adolescentes reais da cena de skate de Washington Square Park, em Nova York.

Leo Fitzpatrick (Telly), Justin Pierce (Casper), Chloë Sevigny, Rosario Dawson e Harold Hunter, ícone local do skate, foram porque já viviam aquilo.
O roteiro veio de Harmony Korine, que tinha apenas 19 anos e escreveu a partir do que via ao seu redor. O objetivo não era contar uma história, mas documentar um ambiente, mostrar a juventude que a mídia ignorava.
O longa acompanha um único dia na vida desses jovens. Sexo não consentido, uso de drogas, homofobia, violência racial em meio a uma Nova York dos anos 90, marcada por diversas discussões raciais e o aumento da infecção por HIV. A ausência de moral transforma o desconforto em denúncia crua, mesmo ao carregar o telespectador para aquele mundo, fazendo-o esquecer que estava assistindo um filme.

O impacto cultural foi imediato. O filme recebeu classificação NC‑17 nos EUA e foi lançado “sem classificação”. Harvey Weinstein criou uma nova produtora apenas para lançá-lo, já que a Miramax, vinculada à Disney, recusou-se a bancar o projeto.
E o fato de escolher atores que realmente viviam aquilo, aumentou a identificação com o filme, e também a representação de quem realmente passa por tudo em que o filme mostra.
Harold Hunter por exemplo aparece como ele mesmo, skatista, figura carismática do underground nova-iorquino. Sua morte em 2006, aos 31 anos, tornou ainda mais trágico o retrato que Kids já oferecia. Era uma juventude entregue à própria sorte. Sem estrutura de desenvolvimento, com nenhuma rede de proteção e sem suporte.
Justin Pierce também morreria jovem, aos 25. O filme, que parecia ficção suja em 1995, infelizmente se confirmou como realidade documentada.

Em anos recentes, novos olhares apontam como Kids revela a cultura do estupro presente em ambientes como movimentos culturais e na rua. Um estudo publicado pela Sage Journals analisa como o poder coercitivo dos meninos sobre as meninas é tratado como algo banal, algo que justamente o visual do filme provoca. Talvez o filme nem fosse possível hoje, diante de outras discussões éticas sobre representação.


Cenas do filme.
O grande Q da construção realizada no filme, além do roteiro, é que Larry Clark vinha da fotografia, já havia publicado Tulsa e Teenage Lust, livros viscerais sobre juventude, sexo e vício. A ideia de Kids era continuação direta disso, colocar a câmera dentro de uma realidade que ninguém queria ver, os dilemas que vão além do “adolescente problemático” que costumeiramente é montado
30 anos depois, o que permanece não é a polêmica, mas a crueza. O que se vê em Kids não é a ausência do Estado, da escola, da família, transformado em arte mas com uma lente muito crua e verdadeira.
Você vai assistir e vai se sentir mal, porque é pra se sentir mal.
Conforme o tempo passa, o que permanece é seu valor como documento lúcido de um mundo que deixou feridas abertas e silêncios interrogativos.









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